Semmelweis e a Febre Puerperal: Uma Análise na Perspectiva da Teoria do Ator-Rede

Tese de doutorado

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Resumo

Neste trabalho proponho analisar um episódio da história da medicina ocidental do século XIX, envolvendo o médico Ignáz Semmelweis, que propôs uma etiologia e uma profilaxia para a doença que era conhecida como febre puerperal por acometer mulheres em seus períodos de pós-parto. Assim que começou a trabalhar na maternidade do Hospital Geral de Viena, em 1846, Semmelweis foi afetado por uma diferença nas taxas de mortalidade por febre puerperal que havia entre duas divisões da maternidade: a Primeira Divisão era dedicada à atuação de médicos e ao treinamento e formação de residentes; a Segunda, dedicada ao treinamento de parteiras. Na Primeira Divisão, a taxa de mortalidade por febre puerperal chegava a ser quatro vezes maior que na Segunda Divisão. Após investigar uma série de hipóteses que pudessem justificar essa perturbadora diferença e de um episódio crucial para a elaboração de sua hipótese, Semmelweis concluiu que a maior taxa de mortalidade na Primeira Divisão era devido ao que denominou de “matéria cadavérica”, transmitida às parturientes pelas mãos de médicos e residentes que realizavam dissecações em cadáveres, prática comum da anatomia patológica que começava a se instituir no século XIX. Assim, Semmelweis obrigou que todos lavassem as mãos com solução de cloreto, substância que, para ele, destruía a “matéria cadavérica”. Os resultados foram animadores: as taxas de mortalidade diminuíram significativamente assim que a higienização das mãos foi implantada; porém, apesar de tantas evidências e resultados que demonstrassem a eficiência da higienização nas práticas hospitalares, sua hipótese não foi aceita como um fato em sua época. Neste trabalho, analisarei Semmelweis como um construtor de fatos, buscando alimentar este episódio de controvérsias, de interesses heterogêneos e atribuindo à “matéria cadavérica” tanta ação como a Semmelweis. A intenção é pensar acerca das ações e conexões, das provas que uma hipótese terá de resistir para que possa adquirir o status de verdadeira e real. A realidade, na perspectiva adotada, é aquilo que resiste. Quanto mais articulada e conectada estiver uma hipótese, mais autonomia ela terá, mais chances de resistir, mais possibilidades de emergir como um fato, se tornar a realidade acerca de um fenômeno e ser aceita. É disso que trata a Teoria do Ator-Rede, abordagem que me valho para a criação da problemática e análise deste episódio da história da medicina. Não pretendo sugerir o que Semmelweis deveria ter feito para que sua hipótese fosse aceita, o objetivo é criar visibilidades para o quão complexa possa ser a aceitação de hipóteses científicas. Este trabalho se justifica na tentativa de trazer um enredo sobre práticas científicas que contribua para a desconstrução da noção, um tanto caricaturada, de investigações obedecendo a padrões gerais e duradouros de racionalidade.