A Teoria Ator-Rede e o ensino de Ciências no Brasil: uma revisão sistemática dos artigos publicados nos últimos 20 anos
Amanda Carolina Mikos Dangui, Sergio de Mello Arruda
Data da defesa: 28/02/2022
A Teoria Ator-Rede (ANT) é uma teoria que começou a ser desenvolvida na área dos Estudos Sociais de Ciência e Tecnologia em meados da década de 70 por diversos autores. Bruno Latour e Steve Woolgar levantaram discussões e controvérsias no universo científico ao demarcarem uma mudança de perspectiva da macro para a microanálise da ciência, ao publicarem o livro “A Vida de Laboratório”. O objetivo dessa dissertação foi buscar entender se as ideias relacionadas à ANT, estão sendo utilizadas por pesquisadores brasileiros da área do Ensino de Ciências. Nesse sentido, foi realizada uma Revisão Sistemática de Literatura (OKOLI, 2019) em periódicos nacionais, em que foram encontrados 38 artigos de pesquisadores brasileiros, nos últimos 20 anos. Antes de analisar os artigos, a ANT foi sistematizada em três gerações: período de formação, consolidação e expansão, a partir da perspectiva do professor Marcos Mattedi (WEBINÁRIO, 2021). As questões de pesquisa foram: De qual geração da ANT são as referências utilizadas nos artigos? Quais são os objetivos explicitados por essas pesquisas? E quais são os agrupamentos de pesquisadores que adotaram a ANT como referência? Utilizando a Análise de Conteúdo (BARDIN, 2016) foram analisados os objetivos dos artigos e agrupou-se os pesquisadores por uma relação de autoria e coautoria. Constatou-se que os textos da ANT de segunda geração foram os mais referenciados nos artigos estudados. Foram encontrados diversos tipos de pesquisas, como etnografias em sala de aula e em laboratório escolar, pesquisas que tecem reflexões de como a educação científica articulam-se com o que entendemos como modernidade e, também, discussões contemporâneas a respeito da pós-verdade. E essa temática de pesquisa se concentra entre pesquisadores do Sudeste, localizados, principalmente, na UFRGS, UFMG, UNIFEI e UEL.
Maldita Química! Mal Consigo Prever seus Movimentos: As Associações que Movimentam a Química no Canal do Youtube Manual do Mundo
Fabiana Gomes, Prof. Dr. Moisés Alves de Oliveira
Data da defesa: 19/12/2019
O Manual do Mundo se apresenta como um lugar de aprender a fazer, motivado a ensinar ciências de uma maneira outra que não a ensinada nas escolas, o que ocorre muitas vezes com mais recursos e mais criatividade que a sala de aula. As produções audiovisuais com fins educativos estão ressignificando os espaços naturalizados de ensino, como a escola, por exemplo. Essas produções, agenciadas pelas mídias, constantemente produzem e fazem circular uma série de valores, concepções, representações – relacionadas a um aprendizado cotidiano sobre o que devemos fazer e como devemos pensar. Esta tese teve como principal objetivo identificar os atores que fazem parte da rede do Manual do Mundo, para, assim, compreender como o canal instaura um espaço de circulação da ciência química. Ao se apropriar do cenário de um laboratório e da experimentação, o canal vai convocando alguns tipos específicos de aliados; seguidores que veem o laboratório um ambiente familiar, onde há elementos que os confortem e, por conseguinte, provoquem sentimentos de aliança, de identificação. A Teoria Ator-Rede (TAR) foi fundamental no processo que nos permitiu descrever a trajetória do canal e nos revelar as associações estabelecidas pelos múltiplos e heterogêneos atores envolvidos no processo de circulação do conhecimento, principalmente, ao conhecimento químico. Vislumbramos alguns: YouTube, Iberê e Mariana, laboratório, marketing, pedagogias... entidades que, uma vez associadas ao Manual do Mundo, são atores agenciando e sendo agenciados com diferentes potências. Apropriando-se do cenário do laboratório químico, definitivamente um forte aliado, para divulgar a ciência química, o Manual consegue arregimentar sujeitos que passam a fortalecer seus enunciados. Esses sujeitos, então, deixam de ser meros seguidores do canal e passam a aliados, reprodutores e divulgadores de enunciados com status de verdade. As alianças formadas por esses atores garantem a formação de novas outras alianças permitindo o aumento da rede. O Manual não seria o mesmo sem algum deles.
A dinâmica das controvérsias na transformação de um projeto pedagógico de curso: um estudo à luz da teoria ator rede.
Jayme Marrone Júnior, Prof. Dr. Sergio de Mello Arruda
Data da defesa: 07/06/2021
A pesquisa surge da observação e participação do autor no processo de implantação de uma proposta metodológica que sugeria a ruptura com o ensino tradicional através de iniciativas, como a desfragmentação disciplinar e regime não seriado, em um campus de uma instituição pública federal, no ensino médio profissionalizante. Durante esse processo ocorreram conflitos entre professores, estudantes e comunidade sobre a metodologia descrita no Projeto Pedagógico de Curso (PPC). Em quatro anos o PPC 2014 se transforma no PPC 2018 este último com características mais próximas do ensino tradicional. Como as discussões aconteciam em torno do documento (PPC), e ainda observando que o mesmo interagia com o coletivo escolar, provocando ações que resultavam em controvérsias, optamos por utilizar a Teoria Ator-Rede (ANT) de Bruno Latour como referencial teórico e metodológico. Para esse autor a ação não é uma prerrogativa apenas de humanos, mas de um conjunto de híbridos humanos e não humanos (actantes). Através da descrição das controvérsias e do movimento de transformação da rede do PPC, o trabalho tem como objetivo geral investigar a mudança na proposta pedagógica deste campus do IFPR entre 2014 e 2018 sob a lente da Teoria Ator-Rede. Como objetivo específico pretendemos atribuir significado à hipótese de que um ator-rede só tem existência em uma rede que o sustenta. Isso significa que a mudança do PPC 2014 para o PPC 2018 só aconteceu porque a proposta inicial (PPC 2014) não encontrou uma rede onde ela poderia se desenvolver. Com o auxílio da Análise de Conteúdo e da Cartografia de Controvérsias, constituímos e analisamos os dados a partir de documentos e entrevistas semiestruturadas. A partir daí produzimos um relato documentado que descreve o caminho do PPC 2014 desde sua criação até seu abandono e consequente surgimento do PPC 2018. O trabalho com a ANT permitiu observar que os elementos emergentes da análise da formação das redes são resultado da necessidade funcional de subsistência da própria rede, ou seja, o ator e a rede são uma única entidade. Cada formação de rede exige um PPC específico e sua consistência global não depende apenas da soma de suas partes, ou melhor dizendo, da constituição de seus actantes, mas das relações/ações entre eles. Ao seguir a dinâmica da Controvérsia da Metodologia, eleita como a principal controvérsia, constatamos que a proposta inicial representada pelo PPC 2014 existiu apenas em sua idealização como projeto. Durante toda tentativa de execução da proposta, a mesma exigiu adaptações que provocaram movimento de seus actantes, formando novos arranjos mas sem encontrar, em nenhum momento, uma rede apropriada à sua sustentação.
Controvérsias, actantes e atuações: um estudo do processo de transição para um currículo flexível
Hugo Emmanuel da Rosa Corrêa, Prof. Dr. Sergio de Mello Arruda
Data da defesa: 08/02/2021
O ambiente educacional tem se apresentado como um desafio para pesquisadores devido à sua característica multifacetada e complexa, no qual fazem parte múltiplos atores, nos mais diversos momentos, seja em sala de aula ou nos processos de criação dos novos currículos, como se observa no Brasil contemporâneo. Com isso em vista, a presente investigação analisou o processo de transição curricular realizado por uma instituição de ensino pública federal, nos cursos técnicos integrados. Inspirado na Teoria Ator-rede de Bruno Latour, buscou-se compreender de que forma agiram os atores no processo de criação e manutenção do currículo implantado na instituição. Para isso, parte-se de um objetivo geral de compreender o processo de criação e manutenção do modelo curricular do IFPR – campus Jacarezinho, alinhado aos objetivos específicos de analisar: i) as características das conexões estabelecidas pelos atores para a criação de outro não humano; ii) as atuações desempenhadas por atores específicos na rede envolvida no processo; e iii) as performances realizadas pelos atores específicos nas diversas controvérsias mapeadas. Com viés metodológico norteado pela cartografia das controvérsias, mas embasado por múltiplas bases metodológicas, conseguiu-se como resultados descrever e analisar o conjunto de controvérsias envolvidas no processo, percebendo e descrevendo os atributos de tais controvérsias, bem como identificar e diagramar as redes com os atores envolvidos, analisar as atuações de três atores mais representativos e, a partir delas, identificar as variáveis que influenciaram nas atuações dos atores escolhidos, tais quais: atributos da controvérsia, atributos do ator, atributos da rede, cronologia do processo e a ação de outros atores. Desta forma, julga-se ser possível compreender como e em que circunstâncias ocorrem as atuações, em um ambiente de criação e transição curricular.
Aulas de Ciências no Ensino Fundamental: Considerações Epistemológicas e Políticas Provocativas a partir de um Contra Proposta Inspirada pela Teoria Autor-rede
Diego Machado Ozelame, Prof. Dr. Moisés Alves de Oliveira
Data da defesa: 27/03/2019
Por meio do acompanhamento das aulas de Ciências de uma turma do ensino fundamental, sugestionado pela Teoria ator-rede, esta tese parte do objetivo geral de produzir considerações epistemológicas e políticas provocativas a partir de uma contra proposta. Esta teorização permitiu condições para observar algumas articulações e desarticulações das cenas trazidas; (re) pensar alguns termos ao seu entendimento, situar novas formas de pensar, criando condições para refletir sobre uma epistemologia política nos termos de Bruno Latour. Proponho, para discussão, o entendimento de que a epistemologia política, nos termos tradicionais, por razões políticas, impede que ela possa agir politicamente. A partir dessa constatação, apresento que uma série de procedimentos precisam ser ressignificados para que a epistemologia política possa proceder como tal. As reflexões produzidas ao longo do texto e as discussões das cenas elegidas permitiram observar que tudo é construído ao mesmo tempo, sendo efeito de processos de negociação. Desta maneira, no presente trabalho, por meio das observações de campo e argumentações teóricas, foi possível problematizar as formas de entendimento que afirmam a existência de naturezas a priori. Também se pode reconhecer que estas formas de pensar são criadas por meio dos desvios das teorias do conhecimento que não respeitam os procedimentos de coordenação das ações, estabelecendo um tipo de epistemologia que não pode agir politicamente. Trazer esta última problematização para um primeiro plano proporciona condições de estabelecer um olhar provocativo que problematiza as bases epistemológicas que constituem a formação de grande parte dos educadores e pesquisadores da área do Ensino de Ciências, sendo um passo importante para pensar os processos de ensino de ciências, uma vez que reflete diretamente no entendimento de que as situações que acontecem no espaço escolar não seriam um modo de pensar as diferentes realidades, mas uma maneira de intervir e construi-las, além do que desnaturaliza o entendimento de que a aprendizagem seria um fenômeno exclusivamente mentalista, permitindo passos iniciais para pensar o processo educativo como um movimento além das ações de quaisquer domínios específicos determinados a priori.
Educação Química Pelo Olhar Latouriano
Cristiane Beatriz Dal Bosc Rezzadori, Prof. Dr. Moisés Alves de Oliveira
Data da defesa: 20/03/2017
O papel político, a dimensão mais humana, as conexões estabelecidas, os jogos de poder, as disputas, os recursos de justificação e tradução parecem não chamar a atenção da comunidade que estuda a educação química em nosso país, deixando uma lacuna importante na compreensão dos seus processos produtivos. O pensamento do filósofo francês Bruno Latour e, mais especificamente, a sua noção de rede sociotécnica tem oferecido ferramentas, vieses e sensações produtivas para pensar de novo uma educação química como um fluxo mais realista e articulado a uma teia social, dos fatos quentes e moles que ainda não podem dizer nada de si e aguardam por validação em meio a um campo de disputas. Essa abordagem está voltada para a dinâmica da formação de associações e distribuição da ação entre atores humanos e não humanos. A partir da expressão destes atores, pode-se descrever e enfatizar seus movimentos, fluxos, circulações, alianças, estratégias e táticas de associação e negociação utilizadas na construção de uma rede antes que esta se torne uma “caixa-preta”. Desta forma, o presente trabalho tem por objetivo traçar um conjunto de articulações possíveis entre o pensamento latouriano e a prática e pesquisa no campo da educação química. Como esta abordagem não é de uso habitual, ao menos entre educadores químicos, inicialmente foram expostos alguns conceitos-chave do trabalho de Latour para habilitar o seu diálogo com a educação química. Posteriormente, com base nos conceitos apresentados, foram delineadas algumas possibilidades de uma articulação e contribuição do pensamento latouriano às investigações na área da educação química, a saber: o esvaziamento da origem da educação química e a recuperação do papel dos actantes não humanos no processo educacional ao lhes devolver o reconhecimento de sua agência e mediação. Nesse sentido, a proposta que aqui será apresentada não pretende inaugurar tendências, muito menos fazer recomendações e prescrições, mas sim oferecer um subsídio a-epistemológico e heterogêneo para multiplicar e matizar a gama de olhares e abordagens investigativas nesta área. Pensar a educação química a partir desta articulação permite passar ao largo de uma visão epistemológica de que qualquer atividade seja defendida com base em sua produção conceitual e teórica, em suas verdades consolidadas e encaradas como prontas e acabadas. Além disso, encará-la como uma prática de mediação que ocorre nos interstícios, nas micropolíticas que estão em jogo e requer um gasto energético de uma série de coisas conectadas e agenciadas por entidades que mobilizam recursos a fim de instaurá-la e de mantê-la dentro da rede a que pertence, abre um leque de possibilidades de investigação muito mais fecundo em direção à heterogênese das práticas educacionais.
Tecendo Redes na Formação Inicial Docente em Química: Por uma Identificação Fe(i)tichizada
Gustavo Pricinotto, Prof. Dr. Moisés Alves de Oliveira
Data da defesa: 17/02/2017
Neste trabalho, ao problematizarmos as possibilidades de produção de identidades docentes fixas e inertes nos cursos de Licenciatura em Química, questionamos os alicerces difusionistas fundamentados nos Estudos de Laboratório de Bruno Latour, buscando compreender o processo de formação de uma rede dentro destes cursos de formação inicial, na relação do par estagiário-professores. Buscamos na metodologia aberta da etnografia pós- moderna acompanhar durante um ano os atuantes do curso de Licenciatura em Química da Universidade Estadual de Maringá, na disciplina de Prática de Ensino e Estágio Supervisionado. As reflexões diante das observações, entrevistas, questionários e gravações das aulas, nos mostram como ocorre o processo de fortalecimento de determinados discursos em meio aos questionamentos que são feitos a identidade tradicional nos cursos. O processo de formação que visa levar os estudantes a se distanciarem de uma perspectiva tradicional e buscar ser “diferente” não “surge”, portanto, em sua oposição entre estes binários (fato-fe(i)tiche), mas da conexão e produção de uma rede com os mais diversos atuantes no processo de produção de identificações, móveis e instáveis. Neste sentido, acreditamos que a ideia de uma identidade de fato deva ser questionada, pois notamos que no curso proliferam-se identidades heterogêneas e híbridas, ou identificações fe(i)tichizadas, que ultrapassam o discurso biniarista/saltacionista: de um lado, tradicional, de outro, diferente. Neste sentido, se a formação é uma produção instável e passível de modificações ao longo do percurso, não seria mais de nosso interesse questionarmos os produtos destes curso de formação, mas de pensa-los enquanto produção, enquanto translações e controvérsias, e assim pensarmos a formação enquanto fe(i)tiche, enquanto constante identificação.