O antropoceno e a urgência de pensar possibilidades não modernas para a análise de questões ambientais: a controvérsia da solução para a poluição dos oceanos por plásticos
Bruna Jamila de Castro, Prof. Dr. Moisés Alves de Oliveira
Data da defesa: 27/04/2018
Antropoceno é um dos nomes que vêm sendo acionados para se pensar os modos possíveis de enfrentamento das condições de existência atuais. Aquecimento global, perda da biodiversidade, poluição atmosférica, acidificação dos oceanos, escassez de água potável, são bons exemplos de questões que batem à nossa porta e têm potência para colocar em risco o futuro da vida no planeta. Todavia, temos permanecido indiferentes a elas. O que explicaria essa nossa falta de afetação para com as questões ambientais? Segundo o filósofo Bruno Latour, a fonte do problema estaria no modo como temos interpretado o mundo. O grande entrave estaria no modelo moderno, que organiza a realidade em duas zonas ontológicas inteiramente distintas: Sociedade e Natureza. Com esta abordagem, de acordo com o autor, não temos condições de apreender e interpretar as questões ambientais, estaríamos apenas a proceder um “salto mortale” entre humano e não-humano, ignorando o “meio do caminho”, isto é, o que liga os seres uns aos outros: as práticas de tradução. Desenvolver uma pesquisa no campo da Educação de Ciências, neste sentido, parece necessário e produtivo. O objetivo desta tese é exemplificar um modo de retomar a tarefa de rastrear as associações entre humanos e não- humanos, em uma questão ambiental, sem recorrer às dicotomias modernas. Selecionei como temática a ser explorada a controvérsia da solução para a poluição dos oceanos por plásticos, uma temática bastante popular nos últimos anos e que tem circulado por inúmeras mídias, artigos científicos, campanhas de ONGs ambientalistas, assim como reuniões de nações (Fórum Econômico Mundial, Conferências da ONU). O método utilizado para proceder ao rastreamento foi a Cartografia de Controvérsias, um conjunto de estratégias que permite observar e descrever a complexidade das associações entre os diversos atores. O mapeamento revelou elementos heterogêneos como inovações tecnológicas (plásticos biodegradáveis, tecnologia de limpeza dos oceanos), alianças internacionais da indústria do plástico (Marine Litter Solutions), de ONGs ambientais (Break free from plastic) e de empresas multinacionais (The New Plastic Economy) e campanhas globais (Clean Seas). As associações que deram existência a essas redes envolveram humanos e não-humanos, ziguezagueando entre estes por meio de traduções/desvios que foram permitindo aos atores seguirem seus interesses. Pode-se dizer, neste sentido, que a Cartografia de Controvérsias mostrou ser um instrumento produtivo para realizar a desdramatização de uma questão ambiental, permitindo renunciar às categorias globais e dirigir o olhar para os momentos em que esta toma forma, ampliando suas formas de representação.
Educação Química Pelo Olhar Latouriano
Cristiane Beatriz Dal Bosc Rezzadori, Prof. Dr. Moisés Alves de Oliveira
Data da defesa: 20/03/2017
O papel político, a dimensão mais humana, as conexões estabelecidas, os jogos de poder, as disputas, os recursos de justificação e tradução parecem não chamar a atenção da comunidade que estuda a educação química em nosso país, deixando uma lacuna importante na compreensão dos seus processos produtivos. O pensamento do filósofo francês Bruno Latour e, mais especificamente, a sua noção de rede sociotécnica tem oferecido ferramentas, vieses e sensações produtivas para pensar de novo uma educação química como um fluxo mais realista e articulado a uma teia social, dos fatos quentes e moles que ainda não podem dizer nada de si e aguardam por validação em meio a um campo de disputas. Essa abordagem está voltada para a dinâmica da formação de associações e distribuição da ação entre atores humanos e não humanos. A partir da expressão destes atores, pode-se descrever e enfatizar seus movimentos, fluxos, circulações, alianças, estratégias e táticas de associação e negociação utilizadas na construção de uma rede antes que esta se torne uma “caixa-preta”. Desta forma, o presente trabalho tem por objetivo traçar um conjunto de articulações possíveis entre o pensamento latouriano e a prática e pesquisa no campo da educação química. Como esta abordagem não é de uso habitual, ao menos entre educadores químicos, inicialmente foram expostos alguns conceitos-chave do trabalho de Latour para habilitar o seu diálogo com a educação química. Posteriormente, com base nos conceitos apresentados, foram delineadas algumas possibilidades de uma articulação e contribuição do pensamento latouriano às investigações na área da educação química, a saber: o esvaziamento da origem da educação química e a recuperação do papel dos actantes não humanos no processo educacional ao lhes devolver o reconhecimento de sua agência e mediação. Nesse sentido, a proposta que aqui será apresentada não pretende inaugurar tendências, muito menos fazer recomendações e prescrições, mas sim oferecer um subsídio a-epistemológico e heterogêneo para multiplicar e matizar a gama de olhares e abordagens investigativas nesta área. Pensar a educação química a partir desta articulação permite passar ao largo de uma visão epistemológica de que qualquer atividade seja defendida com base em sua produção conceitual e teórica, em suas verdades consolidadas e encaradas como prontas e acabadas. Além disso, encará-la como uma prática de mediação que ocorre nos interstícios, nas micropolíticas que estão em jogo e requer um gasto energético de uma série de coisas conectadas e agenciadas por entidades que mobilizam recursos a fim de instaurá-la e de mantê-la dentro da rede a que pertence, abre um leque de possibilidades de investigação muito mais fecundo em direção à heterogênese das práticas educacionais.