Teses e Dissertações
EXISTIR TRANSFRONTEIRIÇO: VIDA E DIREITOS NA ATENÇÃO À SAÚDE DA FRONTEIRA INTERNACIONAL ENTRE ARGENTINA, BRASIL E PARAGUAI
Carlos Guilherme Meister Arenhart, Alberto Durán González
Data da defesa: 12/01/2024
Introdução: A saúde coletiva na região transfronteiriça entre Brasil, Paraguai e Argentina
esteve condicionada historicamente pelo distanciamento da oferta de atenção à saúde que
considere as dinâmicas próprias do lugar. A experiência do cidadão transfronteiriço nos
sistemas públicos de saúde do lugar representa pistas fundamentais para costuras próprias
de organização dos Estados para que se materialize uma oferta digna e resolutiva. Objetivo:
Analisar como o cidadão transfronteiriço entre de Foz do Iguaçu – Brasil, Ciudad Del Este –
Paraguai e Puerto Iguazú – Argentina experencia a Atenção à Saúde. Métodos:
Desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa na qual foram realizadas 16 entrevistas
semiestruturadas com cidadãos nos sistemas de saúde pública dos três lados da fronteira. As
entrevistas ocorreram no período de setembro a outubro de 2023 e o tempo de cada entrevista
variou de 25 a 40 minutos. Os critérios de seleção foram aleatórios e concretizados com a
disponibilidade e interesse em participação no estudo. Para a organização dos achados
utilizou-se a Análise de Discurso e as análises destes partiram da sustentação epistemológica
advinda da filosofia da existência. Resultados e Discussão: A cidadania transfronteiriça
firmou pelos discursos que a saúde coletiva no lugar possui importantes desafios a serem
superados. Os mundos da permanência no lugar, do acesso à saúde, do direito à saúde e do
colapso existencial dos sistemas de saúde foram explorados analiticamente. O cidadão
transfronteiriço permanece no lugar motivado pela tríade labor, amizade e família. No acesso
à saúde existem barreiras e facilitadores na ponte que materializa a atenção à saúde. As
barreiras interditam o caminhar do cidadão transfronteiriço e produzem sofrimento. No âmbito
do direito à saúde constaram-se movimentos tensionadores entre os cidadãos em seus
olhares sobre o direito à saúde ao cidadão transfronteiriço e há um espaço-entre de conflito.
Há um colapso existencial da saúde coletiva pública e este é representado pelas experiências
cidadãs na atenção à saúde. Considerações Provisórias: Os mundos saúde coletivistas
para o cidadão transfronteiriço, ao experienciar a atenção à saúde nos sistemas públicos de
saúde demonstrou a necessidade de costuras urgentes, nacionais e internacionais, de
políticas de saúde sensíveis às demandas de quem projeta suas vidas nesse lugar. O cidadão
transfronteiriço ao lançar o si-mesmo nestes mundos compõe condições próprias que trazem
pistas importantes para o futuro dos sistemas públicos de saúde da fronteira trinacional.
FRAGILIDADE EM PESSOAS VIVENDO COM HIV COM 50 ANOS OU MAIS
Susana Lilian Wiechmann, Marcos Aparecido Sarria Cabrera
Data da defesa: 04/07/2023
Pessoas vivendo com HIV (PVHIV) estão envelhecendo e sua expectativa de vida
tem se aproximado daquela observada na população geral. Entretanto, PVHIV
costumam ser mais precocemente acometidas por condições relacionadas à idade
do que as não infectadas pelo HIV. A fragilidade, síndrome geriátrica caracterizada
por um estado de vulnerabilidade a eventos estressores e associada a desfechos
adversos como quedas, internações e óbito, pode ser mais prevalente e precoce nas
PVHIV do que na população geral. A maioria dos estudos sobre fragilidade e HIV é
proveniente de países desenvolvidos. No entanto, o aprofundamento sobre esse
tema é igualmente necessário nos países em desenvolvimento, para auxiliar na
elaboração de estratégias para o manejo dessa importante condição pelos serviços
públicos de saúde. Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi analisar a prevalência
e os fatores associados à fragilidade em PVHIV com 50 anos ou mais atendidos nos
serviços públicos de atenção especializada em HIV/Aids do Município de Londrina-
PR. Trata-se de um estudo transversal, realizado por meio de entrevista pessoal e
de avaliação clínica e do prontuário de 670 PVHIV em uso de terapia antirretroviral
(TARV). A coleta de dados ocorreu entre novembro de 2019 e março de 2020 e
setembro de 2020 e novembro de 2021. A variável dependente correspondeu à
fragilidade, avaliada por meio do fenótipo de fragilidade de Fried. As variáveis
independentes incluíram: características sociodemográficas, hábitos de vida,
variáveis clínicas e as relacionadas ao HIV e à TARV. Estatística descritiva foi
utilizada para caracterizar a população, segundo o fenótipo de fragilidade, em
robusta, pré-frágil e frágil. Variáveis independentes que se mostraram
significativamente associadas com a presença de pré-fragilidade e fragilidade na
análise bivariada foram incluídas em modelos de regressão logística multinomial. Do
total de indivíduos avaliados, 91 (13,6%) foram considerados frágeis, 340 (50,7%)
pré-frágeis e 239 (35,7%) robustos. A prevalência de fragilidade e pré-fragilidade foi
maior nas mulheres (16,2% e 56,2%, respectivamente) do que nos homens (11,5% e
46,4%, respectivamente). Multimorbidade, depressão, queixas cognitivas subjetivas
e pontuação do Mini Exame do Estado Mental (MEEM) associaram-se (p≤0,05) à
fragilidade em ambos os gêneros. Enquanto tabagismo (OR=3,66; IC95%: 1,58-
8,48) e histórico de baixa adesão à TARV (OR=3,10; IC95%: 1,33-7,23) estiveram
associados à fragilidade em homens, depressão (OR=3,39; IC95%: 1,36-8,44) e
ausência de dentição funcional (OR=3,77; IC95%: 1,36-10,43) associaram-se à
fragilidade em mulheres. Baixa atividade física foi o critério mais prevalente (50,9%),
seguido de exaustão (28,1%), fraqueza (24,0%), perda de peso não intencional
(6,6%) e lentidão de marcha (6,3%). Exaustão, lentidão de marcha e baixa atividade
física foram mais prevalentes entre as mulheres (p≤0,05). Fraqueza, lentidão de
marcha e baixa atividade física foram mais prevalentes nos indivíduos com ≥ 60
anos (p≤0,05). Todos os critérios, exceto a perda de peso, foram mais prevalentes
entre indivíduos com menor escolaridade e todos eles foram mais prevalentes nos
indivíduos de nível socioeconômico mais baixo (p≤0,05). Este estudo acrescenta
queixas cognitivas autorreferidas como um potencial preditor de fragilidade em
ambos os gêneros, além de apoiar o conhecido efeito deletério da multimorbidade
na fragilidade em PVHIV. Sugere, ainda, que outros possíveis preditores, como depressão, estado de saúde bucal e adesão à TARV, podem ser específicos de
gênero. Baixa atividade física foi o componente mais prevalente nas PVHIV pré-
frágeis ou frágeis. Medidas direcionadas a esse critério podem resultar em melhora
da fragilidade dessa população. A prevalência e a distribuição dos componentes do
fenótipo da fragilidade podem variar entre homens e mulheres vivendo com HIV e
tais diferenças devem ser consideradas na abordagem dessa população.
NÃO ADESÃO AO USO DE MEDICAMENTOS E INSATISFAÇÃO COM OS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA POR USUÁRIOS DE MEDICAMENTOS PARA DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS: EVIDÊNCIAS DA PESQUISA NACIONAL SOBRE ACESSO, UTILIZAÇÃO E PROMOÇÃO DO USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS (PNAUM)
POLIANA VIEIRA DA SILVA MENOLLI, Edmarlon Girotto
Data da defesa: 10/03/2023
A maneira como o paciente percebe ou julga a sua interação com os produtos e ou
serviços de saúde provoca pressão na decisão sobre seguir o tratamento prescrito.
Nesse contexto, torna-se importante estudar o quanto a percepção dos pacientes
sobre produtos e serviços de saúde tem influenciado a não adesão ao uso de
medicamentos no Brasil. Objetivo: Analisar a relação entre insatisfação dos usuários
com os serviços de assistência farmacêutica do SUS e a não adesão ao uso de
medicamentos por pacientes de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT).
Métodos: Tese em modelo escandinavo composta por dois estudos transversais com
dados da “Pesquisa Nacional Sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional
de Medicamentos (PNAUM)”. No artigo 1 foram utilizadas informações do banco de
dados de medicamentos de uso contínuo do componente populacional da PNAUM
para identificar a associação entre a percepção dos pacientes sobre medicamentos
para DCNT e a não adesão por regiões do Brasil. A variável dependente foi a não
adesão ao tratamento e a percepção do paciente sobre a medicação foi a variável
independente. O artigo 2 utilizou dados do componente de avaliação de serviços da
PNAUM para analisar a associação entre insatisfação dos usuários com os serviços de
Assistência Farmacêutica (AF) e a não adesão ao uso de medicamentos por pacientes
de DCNT. A variável dependente foi construída por meio de três medidas (não
mutuamente exclusivas): não adesão por falta do medicamento, não adesão nos
últimos 7 dias e não adesão declarada. A variável independente foi a insatisfação com
as AF obtida por meio da teoria de resposta ao item. A regressão logística foi realizada
para calcular os odds ratios (ORs) brutos e ajustados para os dois artigos por meio dos
comandos para amostras complexas. Resultados: No artigo 1 a não adesão foi
observada em 6,6% dos 16.491 medicamentos estudados. Na análise ajustada,
percepção de eficácia de medicamentos considerada regular ou ruim (OR 3,025; IC
95% 1,672-5,473), percepção que causou desconforto (OR 2,731; IC 95% 1,464-5,092)
e medicamentos usados por menos de seis meses (OR 1,557; IC 95% 1,089-2,227)
tiveram maiores chances de não adesão no Brasil (todas as regiões). No artigo 2 foram
avaliadas entrevistas de 2.248 usuários da APS em tratamento para DCNT e que
usaram as farmácias do SUS. A não adesão por falta do medicamento foi de 31,6%, a
não adesão nos últimos 7 dias de 11,5% e a não adesão declarada de 13,0% dos
entrevistados. Na análise ajustada a insatisfação com a dimensão da AF
Disponibilidade esteve associada à não adesão por falta (OR 1,872; IC 95% 1,477-
2,373) e não adesão nos últimos 7 dias (OR 1,637; IC 95% 1,172-2,286) e a dimensão
Adequação à não adesão declarada (OR 3,270; IC 95% 2,308-4,634). Conclusão: A
insatisfação com os serviços de AF e a percepção de ineficácia, insegurança e tempo
de uso dos medicamentos são fatores-chave associados à não adesão aos
tratamentos farmacológicos de DCNT.
PROCESSO DE INTEGRAÇÃO ENSINO-SERVIÇO: A EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE COMO ESTRATÉGIA PARA O FORTALECIMENTO DA GESTÃO DO SUS
EDINALVA DE MOURA FERRAZ, Fernanda de Freitas Mendonça
Data da defesa: 04/04/2023
A gestão no/do Sistema Único de Saúde é uma atividade complexa, que requer das equipes
gestoras a compreensão e um conjunto de habilidades e competências para superar os desafios
vivenciados nessa área. E a integração entre os serviços de saúde e universidades pode ser uma
importante estratégia para mitigar essa complexidade. A literatura demonstra que essas
articulações são importantes para a qualidade da assistência, mas ainda é incipiente a realização
de estudos que investiguem a integração ensino-serviço na perspectiva da gestão desse sistema,
em particular, quando essa integração está ancorada nos pressupostos da Educação Permanente
em Saúde. Dessa forma, o presente estudo teve o objetivo de analisar as repercussões de um
processo de integração ensino-serviço por meio da Educação Permanente em Saúde, para o
fortalecimento da gestão do Sistema Único de Saúde. Foi realizado em duas regionais de saúde,
situadas na macrorregião norte do Estado do Paraná. Trata-se de um estudo qualitativo, de
natureza compreensiva que se utilizou de duas técnicas complementares para obtenção e análise
dos dados empíricos. No primeiro momento realizou-se observação participante durante as
oficinas que aconteceram na 16ª Regional de Saúde, as quais contaram com uma média de 33
pessoas e que estruturaram esse processo de Educação Permanente em Saúde, nomeado de
PROGESTÃO ocorrido entre o período de abril a dezembro de 2019. No segundo momento,
foram realizadas entrevistas, no período de julho a dezembro de 2020, com pessoas que se
destacaram em relação a participação, realização das tarefas de dispersão e troca de
conhecimentos com os demais membros do grupo durante as oficinas. Devido a pandemia
ocasionada pelo Coronavírus, essas entrevistas foram realizadas de maneira remota, pela
própria autora da tese, com o apoio de um roteiro semiestruturado, o qual continha questões
disparadoras para o diálogo, que abordavam sobre o processo desenvolvido, bem como suas
repercussões para a prática da gestão em saúde. O referencial teórico metodológico utilizado
para extração e análise dos dados oriundos da observação participante e das entrevistas foi a
hermenêutica crítica, proposta por Paul Ricouer, onde se considerou, entre outros aspectos, a
temporalidade do discurso, bem como sua subjetividade e sua representatividade. O resultado
desta tese foi apresentado no modelo escandinavo, dividido em dois manuscritos. O primeiro
manuscrito trata sobre o processo de Educação Permanente em Saúde desenvolvido. Escrito
sobre o formato de relato de experiência, está estruturado em cinco seções: a primeira descreve
o contexto em que a experiência foi desenvolvida, elucidando motivos, atores e a localidade em
que ocorreu; a segunda apresenta a proposta de trabalho, a confecção das oficinas e os recursos
metodológicos utilizados; a terceira relata o caminho percorrido na sua operacionalização; a
quarta discute as características de interdisciplinaridade existentes no processo e a última
apresenta algumas considerações. A proposta mostra-se como uma potente estratégia para
promover o diálogo, qualificar e tornar reflexivo o trabalho no campo da gestão em saúde entre
diferentes atores e instituições principalmente no contexto de crise sanitária e fiscal do Estado.
O segundo manuscrito, analisou as repercussões desse processo de Educação Permanente em
Saúde. Os resultados revelaram desafios e potencialidades do processo de Educação
Permanente no âmbito da gestão em saúde, bem como repercussões para a atuação da equipe
gestora em seu lócus de atuação. Apesar dos desafios revelados como a qualificação incipiente
da equipe e dificuldade de institucionalização da Política Nacional de Educação Permanente,
os profissionais reconheceram a importância da integração ensino-serviço na promoção de
processos de formação que utilizam metodologias ativas e propiciam espaços coletivos de diálogo. O processo de EPS vivenciado durante o curso teve como repercussão uma maior
integração entre as pessoas que participam de processos de gestão municipal, sentimento de
pertença e de comprometimento à gestão, incorporação de processos de EPS no cotidiano da
gestão, com destaque para o enfrentamento de problemas decorrentes da pandemia e no
processo de definição do uso de recursos pela equipe gestora. É essencial promover processos
de qualificação que considerem as necessidades dos sujeitos, contexto de atuação e
singularidades dos profissionais que atuam na gestão do SUS. Esta tese demonstrou ainda que
a complexidade da gestão vivenciada no contexto do SUS pode ser amenizada por meio de
parcerias entre o mundo do ensino e o mundo do trabalho.
PRESENTE! HISTÓRIAS DE FEMINICÍDIO EM DIMENSÕES SOCIAIS, JURÍDICAS E DE SAÚDE PÚBLICA
LETÍCIA FIGUEIRA MOUTINHO KULAITIS, Marselle Nobre de Carvalho
Data da defesa: 12/04/2023
A presente tese dedicou-se à compreensão do fenômeno feminicídio, em suas
múltiplas dimensões, apreendendo sua construção como uma questão que resulta da
estrutura social, que se constitui como instrumento de debate e é operacionalizado
pelo campo jurídico e por fim, como um exemplo de violência de gênero, iniquidade,
que no campo da saúde, impossibilidade de uma vida saudável, livre e plena de
direitos. A pesquisa foi desenhada em perspectiva documental histórico-processual.
Inicialmente foi realizada um levantamento dos registros cotidianos de feminicídios
nos principais portais na Internet: G1, Google e UOL. Foram selecionadas e
arquivadas 1.200 notícias classificadas nas seguintes categorias: legislação e
políticas públicas; feminicídios; feminicídios em outros países, entrevistas sobre
feminicídios e estatísticas de feminicídio. A categoria feminicídio foi por sua vez
classificada pela identificação do que se convencionou nominar “variáveis
exemplares”, ou seja, variáveis explicativas das dimensões (social, jurídica ou de
saúde pública) que aqui se apresentam como fundamentais para a compreensão do
fenômeno do feminicídio. Da amostra inicial da categoria, foram reconstituídas 17
histórias de feminicídio, unidade constituída na tese, isto é, foram descritas a forma
como mulheres percorreram o espaço social, em perspectiva histórico-processual,
evidenciando como as variáveis exemplares identificadas em tais histórias se
articularam para a produção da violência feminicida e, por fim, para seu silenciamento.
TECENDO REDES EM MEIO AO ISOLAMENTO: O DESAFIO DE UMA MÃE-USUÁRIA-GUIA NA PRODUÇÃO DO CUIDADO DO FILHO AUTISTA
LIZ BÁRBARA ESTEVES ARAUJO, Regina Melchior
Data da defesa: 23/02/2023
A produção do cuidado é uma temática de interesse do campo da saúde pública,
principalmente a dinâmica estabelecida pelos usuários para compô-la. No entanto,
existem cenários onde o estabelecimento de redes para este cuidado está
fragilizado. É o caso das pessoas com deficiência (PCDs). Eles estão
constantemente buscando formas de existir frente às dificuldades impostas por uma
sociedade normativa, e é neste espaço de força inventiva que se dá a potência do
cuidado. Para adentrar este universo, o presente trabalho teve como objetivo
analisar a rede de produção do cuidado da pessoa autista em um município de
grande porte na região norte do estado do Paraná. A pesquisa ocorreu
majoritariamente no ano de 2020, durante a pandemia de COVID-19, porém foram
tomadas todas as medidas de proteção necessárias. A cartografia foi o caminho de
pesquisa escolhido considerando a proximidade do grupo com o referencial teórico e
interesse das pesquisadoras. Para isso fez-se uso dos dispositivos mãe-cidadã-guia
(MCG) e usuário-cidadão-guia (UCG). Uma vez escolhido o UCG, um adolescente
autista, deu-se início às visitas presenciais conforme a disponibilidade da mãe, do
filho e da pesquisadora, considerando o contexto do momento. A partir daí, foi se
tecendo as redes operadas por eles. Foram múltiplos encontros com a família,
vizinhos e profissionais, a fim de identificar os caminhos percorridos pelo UCG e sua
mãe. Ficou evidente que o isolamento da família, existente antes mesmo da
pandemia, é o principal impedimento para a construção de uma rede mais robusta.
Este isolamento, por se apresentar em diversas dimensões e de maneira
multifatorial, aumenta a condição de vulnerabilidade em que vivem, visto que a vida
se molda na perspectiva de exclusão social. Mãe e filho residem em uma chácara
afastada, na zona rural do município. Adicionado ao isolamento geográfico,
observou-se que as inúmeras experiências de preconceito e repúdio ao corpo do
filho autista, violentamente os afastaram da produção de vida em sociedade e
principalmente das redes de cuidado. Outro motivo que os afastava da rede era a
forte influência de uma voluntária de uma instituição de caridade do município,
exercida sobre a família, que ao suprir as necessidades da família contribuía para o
afastamento deles da rede instituída. A partir dessa vivência percebe-se que a
exclusão social enfrentada pelas PCD é uma constante e grande parte do esforço
para sair dessa condição e lutar pelo acesso é das mães e famílias, que vão em
busca da produção do cuidado. Fica evidente que as políticas públicas não
alcançam os que, por diferentes motivos, não chegam até os serviços, fazendo com
que eles busquem novas rotas de acesso. Histórias como esta, se repetem em
outros territórios. Observou-se também, as dificuldades da mãe e do filho para terem acesso à direitos garantidos às PCDs, como por exemplo o recebimento do
Benefício de Prestação Continuada. É preciso que trabalhadores e cidadãos lutem
pela melhoria do financiamento das políticas de saúde e social. Deem espaço à
educação permanente para desconstrução de preconceitos e apropriação dos
direitos já garantidos às PCD. Por fim, faz-se necessário a apropriação das políticas
públicas, como o Plano Viver Sem Limites, por parte dos serviços, a fim de uma
maior articulação entre eles, buscando assegurar os direitos duramente
conquistados e diminuir as barreiras para as PCD.
A ARTE NA PRODUÇÃO DO CUIDADO SOB A ÓTICA DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE DOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAIS DE UM MUNICÍPIO DE MÉDIO PORTE
LETÍCIA SALGADO ALMEIDA, Alberto Durán González
Data da defesa: 25/04/2023
Considerando os processos de transição do cuidado em saúde mental do modelo
asilar para o de base comunitária, os Centros de Atenção Psicossociais se constituem
como principal estratégia de serviços substitutivos aos manicômios. Estudos apontam
a inserção da arte nos mais diversos contextos e ações em saúde, podendo estar
presente na prevenção e promoção, na gestão e no tratamento de saúde, contribuindo
para prevenir doenças, para o desenvolvimento humano e com o cuidado em saúde
mental. Dessa forma, essa pesquisa teve por objetivo discutir os processos de cuidado
dentro dos CAPS Álcool e Drogas e Infantojuvenil, assim como compreender a
correlação entre arte e saúde na percepção dos trabalhadores, averiguando os
desafios e potenciais dessa integração dentro desses centros. Tratou-se de uma
investigação qualitativa de caráter analítico, realizada através de entrevistas
semiestruturadas com treze profissionais do Centro de Atenção Psicossocial
Infantojuvenil e do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas de um
município de médio porte localizado no estado do Paraná, e os dados foram
analisados por meio do referencial metodológico da Análise de Conteúdo de Bardin
(2016). Observou-se que o uso da arte nas CAPS está envolto em dificuldades e
preconceitos por parte da comunidade e trabalhadores como um todo, a qual afasta
alternativas que não as medicamentosas do tratamento de usuários, crianças e
adolescentes. Dificuldades como a falta de material, preparo dos profissionais da
saúde, de conhecimento sobre a Arte como terapia, considerando um contexto de
pandemia, isolou a arte do cuidado. A partir da pesquisa de como os profissionais de
saúde dos CAPS compreendem a arte na produção do cuidado, foi possível perceber
a necessidade de ampliar a concepção da oferta do mesmo e, portanto, de ações em
saúde, buscando a ruptura da visão biomédica e hospitalocêntrica e principalmente
resgatando princípios da Reforma Sanitária e Psiquiátrica que nos dias atuais
encontram-se ameaçados.
DE QUAL CUIDADO ESTAMOS FALANDO? A CARTOGRAFIA DE UMA USUÁRIA CIDADÃ GUIA SURDA NA BUSCA PELO DIREITO DO CUIDADO EM SAÚDE.
THALITA DA ROCHA MARANDOLA , Regina Melchior
Data da defesa: 27/02/2023
O cuidado em saúde é um acontecimento que compreende o encontro entre usuários
e trabalhadores, espaço onde a comunicação é uma importante estratégia para que a
produção do cuidado seja efetivada. A pessoa surda que faz uso da língua de sinais -
como principal meio de comunicação - pode ter este meio como barreira ao acesso
dela aos serviços de saúde, uma vez que nestes locais a língua predominante é o
português oral. Diante deste contexto, buscou-se acompanhar e analisar os caminhos
percorridos por uma usuária surda, na busca pelo seu direito ao cuidado em saúde.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa com perspectiva cartográfica que possibilitou a
utilização de ferramentas como o usuário-cidadão-guia (UCG) enquanto dispositivo
para nos conduzir durante sua trajetória rumo ao cuidado em saúde; o Diário
Cartográfico (DC) enquanto recurso para anotações, apreensão e reflexão dos
acontecimentos e, a estratégia de Educação Permanente em Saúde (EPS) que
possibilitou a reflexão das práticas de saúde dos trabalhadores envolvidos na
produção do cuidado da usuária-cidadã-guia surda. O campo de estudo teve como
partida um ambulatório de especialidades em saúde de um município de grande porte
da região sul do país. O período de acompanhamento em campo ocorreu de
outubro/2020 a outubro/2021. As análises foram realizadas a partir do referencial
teórico da micropolítica do trabalho. A partir de situações que indicavam barreira de
acesso aos serviços, vivenciados com e pela a UCG, e a vivência com os
trabalhadores dos serviços de saúde foram registradas reflexões que eram produzidas
nos encontros, que foram organizados nos seguintes tópicos: acolher e ser acolhido,
análise que aborda o acolhimento nos processos de trabalho do ambulatório de
especialidades. Alguns desafios apontados no acolhimento, foram discutidos no
segundo tópico sobre o que é diferente, o que é “anormal” segundo uma perspectiva
do funcionamento do corpo biológico e quais formas de (re)existir. Na sequência,
foram discutidas as percepções sobre o que é o cuidado e, por último, a comunicação
como ferramenta na produção do cuidado em saúde. As considerações parciais que
fazemos desta caminhada com a usuária-cidadã-guia surda é que o cuidado é uma
construção contínua de atos e ações que sofrem influências dos processos de
subjetivação que atravessam os atores envolvidos nesta produção. As concepções
históricas sobre o que é a pessoa com deficiência influenciam na forma como cuidados
destes usuários. O cuidado está diretamente relacionado ao processo de trabalho em
saúde e, desta forma, precisa ser analisado a partir de um referencial que contemple
suas especificidades. A educação permanente em saúde foi uma importante
ferramenta para a ressignificação do acolhimento a pessoa surda e permitiu
mudanças no processo do trabalho que sensibilizou a equipe para uma nova forma
de cuidar em saúde. Faz-se necessário, portanto, o incentivo e a oportunização de
espaços para EPS no cotidiano do trabalho, de forma a permitir que os trabalhadores
reflitam suas práticas do cuidado, independente, das características que o usuário
possua
Autopercepção de saúde em adultos e idosos brasileiros: estudos baseados em inquéritos nacionais.
Andressa Carine Kretscher, Mathias Roberto Loch
Data da defesa: 02/02/2023
Introdução: A Autopercepção de Saúde (AS) é considerada uma medida de fácil
aplicação e um bom preditor de morbimortalidade. Pesquisas relacionando o
comportamento alimentar, ou relacionando a AS na população de baixa escolaridade
demonstram-se escassos na literatura. Objetivo: No primeiro estudo objetivou-se
relacionar a AS positiva com comportamentos alimentares em uma amostra de adultos
e idosos. No segundo objetivou-se relacionar a AS positiva a variáveis
sociodemográficas, comportamentais e de apoio social com uma amostra de idosos
de baixa escolaridade. Metodologia: Trataram-se de dois recortes de estudos
transversais, o primeiro estudo, foi realizado com uma amostra de adultos de três
diferentes faixas etárias (adultos jovens, de meia-idade, e idosos) residentes de 26
capitais brasileiras e do Distrito Federal entrevistados pelo Sistema de Vigilância de
Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico -
VIGITEL do ano de 2017. No segundo recorte, fez-se uso de uma amostra de idosos
de baixa escolaridade (de 0 a 4 anos de estudo), de diversas regiões do Brasil
entrevistados pela Pesquisa Nacional de Saúde - PNS do ano de 2019. A variável
dependente de ambos os estudos foi a AS positiva, as variáveis independentes do
primeiro recorte foram sete comportamentos alimentares e do segundo variáveis
sociodemográficas, comportamentos de saúde e apoio social. Em ambos os recortes
se fez a análise descritiva dos amostrados e posteriormente construiu-se modelos de
regressão de Poisson. Resultados: No primeiro estudo, foram considerados 52.166
indivíduos residentes nas capitais brasileiras, a prevalência de AS positiva foi de
66,3% obteve-se associações com todos os comportamentos alimentares estudados
em ambos os sexos com os adultos jovens. As variáveis das quais obteve-se relações
mais fortes foram o consumo regular de frutas e o consumo regular de hortaliças
nestes obteve-se associações em todos os grupos (variando de RPaj=1,31; IC95%
1,18-1,46 a RPaj=1,14; IC95% 1,09-1,19 no consumo de frutas e de RPaj=1,36;
IC95% 1,23-1,50 a RPaj=1,21; IC95% 1,13-1,30 no consumo de hortaliças).
Constatou-se relação linear positiva entre o número de comportamentos alimentares
positivos e a prevalência de AS positiva. No segundo recorte, em que foram
considerados dados de 12.367 idosos, a prevalência de AS positiva foi de 36,7%,
sendo que menores prevalências foram observadas nos pretos e pardos, e nos
homens viúvos. Maiores prevalências foram encontradas naqueles que possuíam
renda mais elevada (sendo de até RPaj=1,18; IC95% 1,11-1,24 nas mulheres e
RPaj=1,29; IC95% 1,22-1,37 nos homens dos quais recebiam mais de 3 saláriosmínimos) e naqueles que realizaram pelo menos uma consulta anual com médico
(RPaj=1,25; IC95% 1,16-1,35 nos homens, e RPaj=1,22; IC95% 1,16-1,28 nas
mulheres). Além destas associações, somente nas mulheres foram encontradas
maiores prevalências nas solteiras, nas que praticavam atividade física no lazer,
consumiam frutas e hortaliças, participavam de associações comunitárias e de
atividades religiosas. Conclusões: Reforça-se a importância de políticas que promovam a adoção de comportamentos saudáveis, estímulo da participação social,
da busca mais frequente por serviços de saúde, e de políticas em prol da melhoria da
renda para a população com menos anos de estudo.
Palavras-chave: Estilo de Vida, Percepção, Saúde, Inquéritos Populacionais
O exercício do transver o cuidado à pessoa com deficiência
Desirée Ariane Modos Figueira, Maira Sayuri Sakay Bortoletto
Data da defesa: 13/10/2022
A luta por direitos das pessoas com deficiência vem ganhando visibilidade no mundo
desde a década de 70. Embora o Brasil tenha avançado na instituição de marcos
legais para a garantia dos direitos das pessoas com deficiência, percebe-se a
necessidade de produzir movimentos permanentes nos diversos âmbitos, jurídico,
político e das próprias pessoas com deficiência em torno da legitimação da ideia de
deficiência para além de um corpo disfuncional. Romper com a norma que impõe
padrões e controles é um desafio para a sociedade, que além de não aceitar o
diferente, age com preconceito e discriminações. Nesse sentido, este estudo teve
como objetivo cartografar a produção do cuidado à pessoa com deficiência que resiste
em um mundo normativo. Para tanto, realizou-se uma pesquisa qualitativa de
abordagem cartográfica. A escolha do município se deu por se tratar de um importante
polo econômico, referência para a região de saúde, além de conter uma significativa
população de pessoas com deficiência e não possuir um centro especializado de
referência. Como guia dessa cartografia, foi escolhido um usuário cidadão surdo, que
após sofrer um evento de violência ficou paraplégico e, em razão disso, passou a ter
comprometimentos de saúde que até hoje demandam cuidados específicos de
diferentes serviços de saúde. No decorrer da pesquisa foi possível acessar algumas
narrativas sobre o usuário em questão, e, a partir delas, identificou-se um recorrente
relato sobre sua recusa à cartela de serviços ofertados pelas equipes de saúde. Este
usuário sofreu com o preconceito e o julgamento moral. Foi julgado como uma vida
que vale menos e isso refletiu de forma negativa na produção do seu cuidado.
Recebeu diferentes rótulos, o de apenado, resistente e de usuário de difícil
relacionamento. Além dos rótulos, carrega em seu corpo marcas de diferentes
violências: físicas, emocionais e institucional. Essas marcas o compõem e refletem
em seu modo de agir e em suas escolhas relacionadas ao cuidado que deseja para
si. O encontro com Alexandre possibilitou um deslocamento no sentido de reconhecer
a sua potência de vida e sua resistência para existir nesse mundo normativo.
Reconhecemos que ele se apresenta como alguém capaz de ir contra os padrões
hegemônicos socialmente instituídos. Seu posicionamento de resistência se efetiva
em favor dos seus desejos, e no movimento que ele produz para ter seu corpo
respeitado e sua existência reconhecida. Para além de aprendizados sobre as
dificuldades e a violência sofrida pela pessoa com deficiência, as cartografias do
território do cuidado em saúde de Alexandre evidenciam a necessidade de fomentar
o debate sobre qual horizonte ético-político tem sido tomado como base para o agir
dos trabalhadores de saúde no cuidado às pessoas com deficiência. Impõe-se o
desafio de transver a deficiência no corpo para que sejam reconhecidas e legitimadas
outras formas de existência e esse é um aprendizado que precisa ser compartilhado
com gestores, trabalhadores e demais usuários do SUS.