EXISTIR TRANSFRONTEIRIÇO: VIDA E DIREITOS NA ATENÇÃO À SAÚDE DA FRONTEIRA INTERNACIONAL ENTRE ARGENTINA, BRASIL E PARAGUAI
Carlos Guilherme Meister Arenhart, Alberto Durán González
Data da defesa: 12/01/2024
Introdução: A saúde coletiva na região transfronteiriça entre Brasil, Paraguai e Argentina esteve condicionada historicamente pelo distanciamento da oferta de atenção à saúde que considere as dinâmicas próprias do lugar. A experiência do cidadão transfronteiriço nos sistemas públicos de saúde do lugar representa pistas fundamentais para costuras próprias de organização dos Estados para que se materialize uma oferta digna e resolutiva. Objetivo: Analisar como o cidadão transfronteiriço entre de Foz do Iguaçu – Brasil, Ciudad Del Este – Paraguai e Puerto Iguazú – Argentina experencia a Atenção à Saúde. Métodos: Desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa na qual foram realizadas 16 entrevistas semiestruturadas com cidadãos nos sistemas de saúde pública dos três lados da fronteira. As entrevistas ocorreram no período de setembro a outubro de 2023 e o tempo de cada entrevista variou de 25 a 40 minutos. Os critérios de seleção foram aleatórios e concretizados com a disponibilidade e interesse em participação no estudo. Para a organização dos achados utilizou-se a Análise de Discurso e as análises destes partiram da sustentação epistemológica advinda da filosofia da existência. Resultados e Discussão: A cidadania transfronteiriça firmou pelos discursos que a saúde coletiva no lugar possui importantes desafios a serem superados. Os mundos da permanência no lugar, do acesso à saúde, do direito à saúde e do colapso existencial dos sistemas de saúde foram explorados analiticamente. O cidadão transfronteiriço permanece no lugar motivado pela tríade labor, amizade e família. No acesso à saúde existem barreiras e facilitadores na ponte que materializa a atenção à saúde. As barreiras interditam o caminhar do cidadão transfronteiriço e produzem sofrimento. No âmbito do direito à saúde constaram-se movimentos tensionadores entre os cidadãos em seus olhares sobre o direito à saúde ao cidadão transfronteiriço e há um espaço-entre de conflito. Há um colapso existencial da saúde coletiva pública e este é representado pelas experiências cidadãs na atenção à saúde. Considerações Provisórias: Os mundos saúde coletivistas para o cidadão transfronteiriço, ao experienciar a atenção à saúde nos sistemas públicos de saúde demonstrou a necessidade de costuras urgentes, nacionais e internacionais, de políticas de saúde sensíveis às demandas de quem projeta suas vidas nesse lugar. O cidadão transfronteiriço ao lançar o si-mesmo nestes mundos compõe condições próprias que trazem pistas importantes para o futuro dos sistemas públicos de saúde da fronteira trinacional.
FRAGILIDADE EM PESSOAS VIVENDO COM HIV COM 50 ANOS OU MAIS
Susana Lilian Wiechmann, Marcos Aparecido Sarria Cabrera
Data da defesa: 04/07/2023
Pessoas vivendo com HIV (PVHIV) estão envelhecendo e sua expectativa de vida tem se aproximado daquela observada na população geral. Entretanto, PVHIV costumam ser mais precocemente acometidas por condições relacionadas à idade do que as não infectadas pelo HIV. A fragilidade, síndrome geriátrica caracterizada por um estado de vulnerabilidade a eventos estressores e associada a desfechos adversos como quedas, internações e óbito, pode ser mais prevalente e precoce nas PVHIV do que na população geral. A maioria dos estudos sobre fragilidade e HIV é proveniente de países desenvolvidos. No entanto, o aprofundamento sobre esse tema é igualmente necessário nos países em desenvolvimento, para auxiliar na elaboração de estratégias para o manejo dessa importante condição pelos serviços públicos de saúde. Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi analisar a prevalência e os fatores associados à fragilidade em PVHIV com 50 anos ou mais atendidos nos serviços públicos de atenção especializada em HIV/Aids do Município de Londrina- PR. Trata-se de um estudo transversal, realizado por meio de entrevista pessoal e de avaliação clínica e do prontuário de 670 PVHIV em uso de terapia antirretroviral (TARV). A coleta de dados ocorreu entre novembro de 2019 e março de 2020 e setembro de 2020 e novembro de 2021. A variável dependente correspondeu à fragilidade, avaliada por meio do fenótipo de fragilidade de Fried. As variáveis independentes incluíram: características sociodemográficas, hábitos de vida, variáveis clínicas e as relacionadas ao HIV e à TARV. Estatística descritiva foi utilizada para caracterizar a população, segundo o fenótipo de fragilidade, em robusta, pré-frágil e frágil. Variáveis independentes que se mostraram significativamente associadas com a presença de pré-fragilidade e fragilidade na análise bivariada foram incluídas em modelos de regressão logística multinomial. Do total de indivíduos avaliados, 91 (13,6%) foram considerados frágeis, 340 (50,7%) pré-frágeis e 239 (35,7%) robustos. A prevalência de fragilidade e pré-fragilidade foi maior nas mulheres (16,2% e 56,2%, respectivamente) do que nos homens (11,5% e 46,4%, respectivamente). Multimorbidade, depressão, queixas cognitivas subjetivas e pontuação do Mini Exame do Estado Mental (MEEM) associaram-se (p≤0,05) à fragilidade em ambos os gêneros. Enquanto tabagismo (OR=3,66; IC95%: 1,58- 8,48) e histórico de baixa adesão à TARV (OR=3,10; IC95%: 1,33-7,23) estiveram associados à fragilidade em homens, depressão (OR=3,39; IC95%: 1,36-8,44) e ausência de dentição funcional (OR=3,77; IC95%: 1,36-10,43) associaram-se à fragilidade em mulheres. Baixa atividade física foi o critério mais prevalente (50,9%), seguido de exaustão (28,1%), fraqueza (24,0%), perda de peso não intencional (6,6%) e lentidão de marcha (6,3%). Exaustão, lentidão de marcha e baixa atividade física foram mais prevalentes entre as mulheres (p≤0,05). Fraqueza, lentidão de marcha e baixa atividade física foram mais prevalentes nos indivíduos com ≥ 60 anos (p≤0,05). Todos os critérios, exceto a perda de peso, foram mais prevalentes entre indivíduos com menor escolaridade e todos eles foram mais prevalentes nos indivíduos de nível socioeconômico mais baixo (p≤0,05). Este estudo acrescenta queixas cognitivas autorreferidas como um potencial preditor de fragilidade em ambos os gêneros, além de apoiar o conhecido efeito deletério da multimorbidade na fragilidade em PVHIV. Sugere, ainda, que outros possíveis preditores, como depressão, estado de saúde bucal e adesão à TARV, podem ser específicos de gênero. Baixa atividade física foi o componente mais prevalente nas PVHIV pré- frágeis ou frágeis. Medidas direcionadas a esse critério podem resultar em melhora da fragilidade dessa população. A prevalência e a distribuição dos componentes do fenótipo da fragilidade podem variar entre homens e mulheres vivendo com HIV e tais diferenças devem ser consideradas na abordagem dessa população.
NÃO ADESÃO AO USO DE MEDICAMENTOS E INSATISFAÇÃO COM OS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA POR USUÁRIOS DE MEDICAMENTOS PARA DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS: EVIDÊNCIAS DA PESQUISA NACIONAL SOBRE ACESSO, UTILIZAÇÃO E PROMOÇÃO DO USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS (PNAUM)
POLIANA VIEIRA DA SILVA MENOLLI, Edmarlon Girotto
Data da defesa: 10/03/2023
A maneira como o paciente percebe ou julga a sua interação com os produtos e ou serviços de saúde provoca pressão na decisão sobre seguir o tratamento prescrito. Nesse contexto, torna-se importante estudar o quanto a percepção dos pacientes sobre produtos e serviços de saúde tem influenciado a não adesão ao uso de medicamentos no Brasil. Objetivo: Analisar a relação entre insatisfação dos usuários com os serviços de assistência farmacêutica do SUS e a não adesão ao uso de medicamentos por pacientes de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). Métodos: Tese em modelo escandinavo composta por dois estudos transversais com dados da “Pesquisa Nacional Sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos (PNAUM)”. No artigo 1 foram utilizadas informações do banco de dados de medicamentos de uso contínuo do componente populacional da PNAUM para identificar a associação entre a percepção dos pacientes sobre medicamentos para DCNT e a não adesão por regiões do Brasil. A variável dependente foi a não adesão ao tratamento e a percepção do paciente sobre a medicação foi a variável independente. O artigo 2 utilizou dados do componente de avaliação de serviços da PNAUM para analisar a associação entre insatisfação dos usuários com os serviços de Assistência Farmacêutica (AF) e a não adesão ao uso de medicamentos por pacientes de DCNT. A variável dependente foi construída por meio de três medidas (não mutuamente exclusivas): não adesão por falta do medicamento, não adesão nos últimos 7 dias e não adesão declarada. A variável independente foi a insatisfação com as AF obtida por meio da teoria de resposta ao item. A regressão logística foi realizada para calcular os odds ratios (ORs) brutos e ajustados para os dois artigos por meio dos comandos para amostras complexas. Resultados: No artigo 1 a não adesão foi observada em 6,6% dos 16.491 medicamentos estudados. Na análise ajustada, percepção de eficácia de medicamentos considerada regular ou ruim (OR 3,025; IC 95% 1,672-5,473), percepção que causou desconforto (OR 2,731; IC 95% 1,464-5,092) e medicamentos usados por menos de seis meses (OR 1,557; IC 95% 1,089-2,227) tiveram maiores chances de não adesão no Brasil (todas as regiões). No artigo 2 foram avaliadas entrevistas de 2.248 usuários da APS em tratamento para DCNT e que usaram as farmácias do SUS. A não adesão por falta do medicamento foi de 31,6%, a não adesão nos últimos 7 dias de 11,5% e a não adesão declarada de 13,0% dos entrevistados. Na análise ajustada a insatisfação com a dimensão da AF Disponibilidade esteve associada à não adesão por falta (OR 1,872; IC 95% 1,477- 2,373) e não adesão nos últimos 7 dias (OR 1,637; IC 95% 1,172-2,286) e a dimensão Adequação à não adesão declarada (OR 3,270; IC 95% 2,308-4,634). Conclusão: A insatisfação com os serviços de AF e a percepção de ineficácia, insegurança e tempo de uso dos medicamentos são fatores-chave associados à não adesão aos tratamentos farmacológicos de DCNT.
PROCESSO DE INTEGRAÇÃO ENSINO-SERVIÇO: A EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE COMO ESTRATÉGIA PARA O FORTALECIMENTO DA GESTÃO DO SUS
EDINALVA DE MOURA FERRAZ, Fernanda de Freitas Mendonça
Data da defesa: 04/04/2023
A gestão no/do Sistema Único de Saúde é uma atividade complexa, que requer das equipes gestoras a compreensão e um conjunto de habilidades e competências para superar os desafios vivenciados nessa área. E a integração entre os serviços de saúde e universidades pode ser uma importante estratégia para mitigar essa complexidade. A literatura demonstra que essas articulações são importantes para a qualidade da assistência, mas ainda é incipiente a realização de estudos que investiguem a integração ensino-serviço na perspectiva da gestão desse sistema, em particular, quando essa integração está ancorada nos pressupostos da Educação Permanente em Saúde. Dessa forma, o presente estudo teve o objetivo de analisar as repercussões de um processo de integração ensino-serviço por meio da Educação Permanente em Saúde, para o fortalecimento da gestão do Sistema Único de Saúde. Foi realizado em duas regionais de saúde, situadas na macrorregião norte do Estado do Paraná. Trata-se de um estudo qualitativo, de natureza compreensiva que se utilizou de duas técnicas complementares para obtenção e análise dos dados empíricos. No primeiro momento realizou-se observação participante durante as oficinas que aconteceram na 16ª Regional de Saúde, as quais contaram com uma média de 33 pessoas e que estruturaram esse processo de Educação Permanente em Saúde, nomeado de PROGESTÃO ocorrido entre o período de abril a dezembro de 2019. No segundo momento, foram realizadas entrevistas, no período de julho a dezembro de 2020, com pessoas que se destacaram em relação a participação, realização das tarefas de dispersão e troca de conhecimentos com os demais membros do grupo durante as oficinas. Devido a pandemia ocasionada pelo Coronavírus, essas entrevistas foram realizadas de maneira remota, pela própria autora da tese, com o apoio de um roteiro semiestruturado, o qual continha questões disparadoras para o diálogo, que abordavam sobre o processo desenvolvido, bem como suas repercussões para a prática da gestão em saúde. O referencial teórico metodológico utilizado para extração e análise dos dados oriundos da observação participante e das entrevistas foi a hermenêutica crítica, proposta por Paul Ricouer, onde se considerou, entre outros aspectos, a temporalidade do discurso, bem como sua subjetividade e sua representatividade. O resultado desta tese foi apresentado no modelo escandinavo, dividido em dois manuscritos. O primeiro manuscrito trata sobre o processo de Educação Permanente em Saúde desenvolvido. Escrito sobre o formato de relato de experiência, está estruturado em cinco seções: a primeira descreve o contexto em que a experiência foi desenvolvida, elucidando motivos, atores e a localidade em que ocorreu; a segunda apresenta a proposta de trabalho, a confecção das oficinas e os recursos metodológicos utilizados; a terceira relata o caminho percorrido na sua operacionalização; a quarta discute as características de interdisciplinaridade existentes no processo e a última apresenta algumas considerações. A proposta mostra-se como uma potente estratégia para promover o diálogo, qualificar e tornar reflexivo o trabalho no campo da gestão em saúde entre diferentes atores e instituições principalmente no contexto de crise sanitária e fiscal do Estado. O segundo manuscrito, analisou as repercussões desse processo de Educação Permanente em Saúde. Os resultados revelaram desafios e potencialidades do processo de Educação Permanente no âmbito da gestão em saúde, bem como repercussões para a atuação da equipe gestora em seu lócus de atuação. Apesar dos desafios revelados como a qualificação incipiente da equipe e dificuldade de institucionalização da Política Nacional de Educação Permanente, os profissionais reconheceram a importância da integração ensino-serviço na promoção de processos de formação que utilizam metodologias ativas e propiciam espaços coletivos de diálogo. O processo de EPS vivenciado durante o curso teve como repercussão uma maior integração entre as pessoas que participam de processos de gestão municipal, sentimento de pertença e de comprometimento à gestão, incorporação de processos de EPS no cotidiano da gestão, com destaque para o enfrentamento de problemas decorrentes da pandemia e no processo de definição do uso de recursos pela equipe gestora. É essencial promover processos de qualificação que considerem as necessidades dos sujeitos, contexto de atuação e singularidades dos profissionais que atuam na gestão do SUS. Esta tese demonstrou ainda que a complexidade da gestão vivenciada no contexto do SUS pode ser amenizada por meio de parcerias entre o mundo do ensino e o mundo do trabalho.
PRESENTE! HISTÓRIAS DE FEMINICÍDIO EM DIMENSÕES SOCIAIS, JURÍDICAS E DE SAÚDE PÚBLICA
LETÍCIA FIGUEIRA MOUTINHO KULAITIS, Marselle Nobre de Carvalho
Data da defesa: 12/04/2023
A presente tese dedicou-se à compreensão do fenômeno feminicídio, em suas múltiplas dimensões, apreendendo sua construção como uma questão que resulta da estrutura social, que se constitui como instrumento de debate e é operacionalizado pelo campo jurídico e por fim, como um exemplo de violência de gênero, iniquidade, que no campo da saúde, impossibilidade de uma vida saudável, livre e plena de direitos. A pesquisa foi desenhada em perspectiva documental histórico-processual. Inicialmente foi realizada um levantamento dos registros cotidianos de feminicídios nos principais portais na Internet: G1, Google e UOL. Foram selecionadas e arquivadas 1.200 notícias classificadas nas seguintes categorias: legislação e políticas públicas; feminicídios; feminicídios em outros países, entrevistas sobre feminicídios e estatísticas de feminicídio. A categoria feminicídio foi por sua vez classificada pela identificação do que se convencionou nominar “variáveis exemplares”, ou seja, variáveis explicativas das dimensões (social, jurídica ou de saúde pública) que aqui se apresentam como fundamentais para a compreensão do fenômeno do feminicídio. Da amostra inicial da categoria, foram reconstituídas 17 histórias de feminicídio, unidade constituída na tese, isto é, foram descritas a forma como mulheres percorreram o espaço social, em perspectiva histórico-processual, evidenciando como as variáveis exemplares identificadas em tais histórias se articularam para a produção da violência feminicida e, por fim, para seu silenciamento.
TECENDO REDES EM MEIO AO ISOLAMENTO: O DESAFIO DE UMA MÃE-USUÁRIA-GUIA NA PRODUÇÃO DO CUIDADO DO FILHO AUTISTA
LIZ BÁRBARA ESTEVES ARAUJO, Regina Melchior
Data da defesa: 23/02/2023
A produção do cuidado é uma temática de interesse do campo da saúde pública, principalmente a dinâmica estabelecida pelos usuários para compô-la. No entanto, existem cenários onde o estabelecimento de redes para este cuidado está fragilizado. É o caso das pessoas com deficiência (PCDs). Eles estão constantemente buscando formas de existir frente às dificuldades impostas por uma sociedade normativa, e é neste espaço de força inventiva que se dá a potência do cuidado. Para adentrar este universo, o presente trabalho teve como objetivo analisar a rede de produção do cuidado da pessoa autista em um município de grande porte na região norte do estado do Paraná. A pesquisa ocorreu majoritariamente no ano de 2020, durante a pandemia de COVID-19, porém foram tomadas todas as medidas de proteção necessárias. A cartografia foi o caminho de pesquisa escolhido considerando a proximidade do grupo com o referencial teórico e interesse das pesquisadoras. Para isso fez-se uso dos dispositivos mãe-cidadã-guia (MCG) e usuário-cidadão-guia (UCG). Uma vez escolhido o UCG, um adolescente autista, deu-se início às visitas presenciais conforme a disponibilidade da mãe, do filho e da pesquisadora, considerando o contexto do momento. A partir daí, foi se tecendo as redes operadas por eles. Foram múltiplos encontros com a família, vizinhos e profissionais, a fim de identificar os caminhos percorridos pelo UCG e sua mãe. Ficou evidente que o isolamento da família, existente antes mesmo da pandemia, é o principal impedimento para a construção de uma rede mais robusta. Este isolamento, por se apresentar em diversas dimensões e de maneira multifatorial, aumenta a condição de vulnerabilidade em que vivem, visto que a vida se molda na perspectiva de exclusão social. Mãe e filho residem em uma chácara afastada, na zona rural do município. Adicionado ao isolamento geográfico, observou-se que as inúmeras experiências de preconceito e repúdio ao corpo do filho autista, violentamente os afastaram da produção de vida em sociedade e principalmente das redes de cuidado. Outro motivo que os afastava da rede era a forte influência de uma voluntária de uma instituição de caridade do município, exercida sobre a família, que ao suprir as necessidades da família contribuía para o afastamento deles da rede instituída. A partir dessa vivência percebe-se que a exclusão social enfrentada pelas PCD é uma constante e grande parte do esforço para sair dessa condição e lutar pelo acesso é das mães e famílias, que vão em busca da produção do cuidado. Fica evidente que as políticas públicas não alcançam os que, por diferentes motivos, não chegam até os serviços, fazendo com que eles busquem novas rotas de acesso. Histórias como esta, se repetem em outros territórios. Observou-se também, as dificuldades da mãe e do filho para terem acesso à direitos garantidos às PCDs, como por exemplo o recebimento do Benefício de Prestação Continuada. É preciso que trabalhadores e cidadãos lutem pela melhoria do financiamento das políticas de saúde e social. Deem espaço à educação permanente para desconstrução de preconceitos e apropriação dos direitos já garantidos às PCD. Por fim, faz-se necessário a apropriação das políticas públicas, como o Plano Viver Sem Limites, por parte dos serviços, a fim de uma maior articulação entre eles, buscando assegurar os direitos duramente conquistados e diminuir as barreiras para as PCD.
A ARTE NA PRODUÇÃO DO CUIDADO SOB A ÓTICA DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE DOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAIS DE UM MUNICÍPIO DE MÉDIO PORTE
LETÍCIA SALGADO ALMEIDA, Alberto Durán González
Data da defesa: 25/04/2023
Considerando os processos de transição do cuidado em saúde mental do modelo asilar para o de base comunitária, os Centros de Atenção Psicossociais se constituem como principal estratégia de serviços substitutivos aos manicômios. Estudos apontam a inserção da arte nos mais diversos contextos e ações em saúde, podendo estar presente na prevenção e promoção, na gestão e no tratamento de saúde, contribuindo para prevenir doenças, para o desenvolvimento humano e com o cuidado em saúde mental. Dessa forma, essa pesquisa teve por objetivo discutir os processos de cuidado dentro dos CAPS Álcool e Drogas e Infantojuvenil, assim como compreender a correlação entre arte e saúde na percepção dos trabalhadores, averiguando os desafios e potenciais dessa integração dentro desses centros. Tratou-se de uma investigação qualitativa de caráter analítico, realizada através de entrevistas semiestruturadas com treze profissionais do Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil e do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas de um município de médio porte localizado no estado do Paraná, e os dados foram analisados por meio do referencial metodológico da Análise de Conteúdo de Bardin (2016). Observou-se que o uso da arte nas CAPS está envolto em dificuldades e preconceitos por parte da comunidade e trabalhadores como um todo, a qual afasta alternativas que não as medicamentosas do tratamento de usuários, crianças e adolescentes. Dificuldades como a falta de material, preparo dos profissionais da saúde, de conhecimento sobre a Arte como terapia, considerando um contexto de pandemia, isolou a arte do cuidado. A partir da pesquisa de como os profissionais de saúde dos CAPS compreendem a arte na produção do cuidado, foi possível perceber a necessidade de ampliar a concepção da oferta do mesmo e, portanto, de ações em saúde, buscando a ruptura da visão biomédica e hospitalocêntrica e principalmente resgatando princípios da Reforma Sanitária e Psiquiátrica que nos dias atuais encontram-se ameaçados.
DE QUAL CUIDADO ESTAMOS FALANDO? A CARTOGRAFIA DE UMA USUÁRIA CIDADÃ GUIA SURDA NA BUSCA PELO DIREITO DO CUIDADO EM SAÚDE.
THALITA DA ROCHA MARANDOLA , Regina Melchior
Data da defesa: 27/02/2023
O cuidado em saúde é um acontecimento que compreende o encontro entre usuários e trabalhadores, espaço onde a comunicação é uma importante estratégia para que a produção do cuidado seja efetivada. A pessoa surda que faz uso da língua de sinais - como principal meio de comunicação - pode ter este meio como barreira ao acesso dela aos serviços de saúde, uma vez que nestes locais a língua predominante é o português oral. Diante deste contexto, buscou-se acompanhar e analisar os caminhos percorridos por uma usuária surda, na busca pelo seu direito ao cuidado em saúde. Trata-se de uma pesquisa qualitativa com perspectiva cartográfica que possibilitou a utilização de ferramentas como o usuário-cidadão-guia (UCG) enquanto dispositivo para nos conduzir durante sua trajetória rumo ao cuidado em saúde; o Diário Cartográfico (DC) enquanto recurso para anotações, apreensão e reflexão dos acontecimentos e, a estratégia de Educação Permanente em Saúde (EPS) que possibilitou a reflexão das práticas de saúde dos trabalhadores envolvidos na produção do cuidado da usuária-cidadã-guia surda. O campo de estudo teve como partida um ambulatório de especialidades em saúde de um município de grande porte da região sul do país. O período de acompanhamento em campo ocorreu de outubro/2020 a outubro/2021. As análises foram realizadas a partir do referencial teórico da micropolítica do trabalho. A partir de situações que indicavam barreira de acesso aos serviços, vivenciados com e pela a UCG, e a vivência com os trabalhadores dos serviços de saúde foram registradas reflexões que eram produzidas nos encontros, que foram organizados nos seguintes tópicos: acolher e ser acolhido, análise que aborda o acolhimento nos processos de trabalho do ambulatório de especialidades. Alguns desafios apontados no acolhimento, foram discutidos no segundo tópico sobre o que é diferente, o que é “anormal” segundo uma perspectiva do funcionamento do corpo biológico e quais formas de (re)existir. Na sequência, foram discutidas as percepções sobre o que é o cuidado e, por último, a comunicação como ferramenta na produção do cuidado em saúde. As considerações parciais que fazemos desta caminhada com a usuária-cidadã-guia surda é que o cuidado é uma construção contínua de atos e ações que sofrem influências dos processos de subjetivação que atravessam os atores envolvidos nesta produção. As concepções históricas sobre o que é a pessoa com deficiência influenciam na forma como cuidados destes usuários. O cuidado está diretamente relacionado ao processo de trabalho em saúde e, desta forma, precisa ser analisado a partir de um referencial que contemple suas especificidades. A educação permanente em saúde foi uma importante ferramenta para a ressignificação do acolhimento a pessoa surda e permitiu mudanças no processo do trabalho que sensibilizou a equipe para uma nova forma de cuidar em saúde. Faz-se necessário, portanto, o incentivo e a oportunização de espaços para EPS no cotidiano do trabalho, de forma a permitir que os trabalhadores reflitam suas práticas do cuidado, independente, das características que o usuário possua
Autopercepção de saúde em adultos e idosos brasileiros: estudos baseados em inquéritos nacionais.
Andressa Carine Kretscher, Mathias Roberto Loch
Data da defesa: 02/02/2023
Introdução: A Autopercepção de Saúde (AS) é considerada uma medida de fácil aplicação e um bom preditor de morbimortalidade. Pesquisas relacionando o comportamento alimentar, ou relacionando a AS na população de baixa escolaridade demonstram-se escassos na literatura. Objetivo: No primeiro estudo objetivou-se relacionar a AS positiva com comportamentos alimentares em uma amostra de adultos e idosos. No segundo objetivou-se relacionar a AS positiva a variáveis sociodemográficas, comportamentais e de apoio social com uma amostra de idosos de baixa escolaridade. Metodologia: Trataram-se de dois recortes de estudos transversais, o primeiro estudo, foi realizado com uma amostra de adultos de três diferentes faixas etárias (adultos jovens, de meia-idade, e idosos) residentes de 26 capitais brasileiras e do Distrito Federal entrevistados pelo Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico - VIGITEL do ano de 2017. No segundo recorte, fez-se uso de uma amostra de idosos de baixa escolaridade (de 0 a 4 anos de estudo), de diversas regiões do Brasil entrevistados pela Pesquisa Nacional de Saúde - PNS do ano de 2019. A variável dependente de ambos os estudos foi a AS positiva, as variáveis independentes do primeiro recorte foram sete comportamentos alimentares e do segundo variáveis sociodemográficas, comportamentos de saúde e apoio social. Em ambos os recortes se fez a análise descritiva dos amostrados e posteriormente construiu-se modelos de regressão de Poisson. Resultados: No primeiro estudo, foram considerados 52.166 indivíduos residentes nas capitais brasileiras, a prevalência de AS positiva foi de 66,3% obteve-se associações com todos os comportamentos alimentares estudados em ambos os sexos com os adultos jovens. As variáveis das quais obteve-se relações mais fortes foram o consumo regular de frutas e o consumo regular de hortaliças nestes obteve-se associações em todos os grupos (variando de RPaj=1,31; IC95% 1,18-1,46 a RPaj=1,14; IC95% 1,09-1,19 no consumo de frutas e de RPaj=1,36; IC95% 1,23-1,50 a RPaj=1,21; IC95% 1,13-1,30 no consumo de hortaliças). Constatou-se relação linear positiva entre o número de comportamentos alimentares positivos e a prevalência de AS positiva. No segundo recorte, em que foram considerados dados de 12.367 idosos, a prevalência de AS positiva foi de 36,7%, sendo que menores prevalências foram observadas nos pretos e pardos, e nos homens viúvos. Maiores prevalências foram encontradas naqueles que possuíam renda mais elevada (sendo de até RPaj=1,18; IC95% 1,11-1,24 nas mulheres e RPaj=1,29; IC95% 1,22-1,37 nos homens dos quais recebiam mais de 3 saláriosmínimos) e naqueles que realizaram pelo menos uma consulta anual com médico (RPaj=1,25; IC95% 1,16-1,35 nos homens, e RPaj=1,22; IC95% 1,16-1,28 nas mulheres). Além destas associações, somente nas mulheres foram encontradas maiores prevalências nas solteiras, nas que praticavam atividade física no lazer, consumiam frutas e hortaliças, participavam de associações comunitárias e de atividades religiosas. Conclusões: Reforça-se a importância de políticas que promovam a adoção de comportamentos saudáveis, estímulo da participação social, da busca mais frequente por serviços de saúde, e de políticas em prol da melhoria da renda para a população com menos anos de estudo. Palavras-chave: Estilo de Vida, Percepção, Saúde, Inquéritos Populacionais
O exercício do transver o cuidado à pessoa com deficiência
Desirée Ariane Modos Figueira, Maira Sayuri Sakay Bortoletto
Data da defesa: 13/10/2022
A luta por direitos das pessoas com deficiência vem ganhando visibilidade no mundo desde a década de 70. Embora o Brasil tenha avançado na instituição de marcos legais para a garantia dos direitos das pessoas com deficiência, percebe-se a necessidade de produzir movimentos permanentes nos diversos âmbitos, jurídico, político e das próprias pessoas com deficiência em torno da legitimação da ideia de deficiência para além de um corpo disfuncional. Romper com a norma que impõe padrões e controles é um desafio para a sociedade, que além de não aceitar o diferente, age com preconceito e discriminações. Nesse sentido, este estudo teve como objetivo cartografar a produção do cuidado à pessoa com deficiência que resiste em um mundo normativo. Para tanto, realizou-se uma pesquisa qualitativa de abordagem cartográfica. A escolha do município se deu por se tratar de um importante polo econômico, referência para a região de saúde, além de conter uma significativa população de pessoas com deficiência e não possuir um centro especializado de referência. Como guia dessa cartografia, foi escolhido um usuário cidadão surdo, que após sofrer um evento de violência ficou paraplégico e, em razão disso, passou a ter comprometimentos de saúde que até hoje demandam cuidados específicos de diferentes serviços de saúde. No decorrer da pesquisa foi possível acessar algumas narrativas sobre o usuário em questão, e, a partir delas, identificou-se um recorrente relato sobre sua recusa à cartela de serviços ofertados pelas equipes de saúde. Este usuário sofreu com o preconceito e o julgamento moral. Foi julgado como uma vida que vale menos e isso refletiu de forma negativa na produção do seu cuidado. Recebeu diferentes rótulos, o de apenado, resistente e de usuário de difícil relacionamento. Além dos rótulos, carrega em seu corpo marcas de diferentes violências: físicas, emocionais e institucional. Essas marcas o compõem e refletem em seu modo de agir e em suas escolhas relacionadas ao cuidado que deseja para si. O encontro com Alexandre possibilitou um deslocamento no sentido de reconhecer a sua potência de vida e sua resistência para existir nesse mundo normativo. Reconhecemos que ele se apresenta como alguém capaz de ir contra os padrões hegemônicos socialmente instituídos. Seu posicionamento de resistência se efetiva em favor dos seus desejos, e no movimento que ele produz para ter seu corpo respeitado e sua existência reconhecida. Para além de aprendizados sobre as dificuldades e a violência sofrida pela pessoa com deficiência, as cartografias do território do cuidado em saúde de Alexandre evidenciam a necessidade de fomentar o debate sobre qual horizonte ético-político tem sido tomado como base para o agir dos trabalhadores de saúde no cuidado às pessoas com deficiência. Impõe-se o desafio de transver a deficiência no corpo para que sejam reconhecidas e legitimadas outras formas de existência e esse é um aprendizado que precisa ser compartilhado com gestores, trabalhadores e demais usuários do SUS.