Teses e Dissertações
O DISCURSO DE ÓDIO COMO PATOLOGIA SOCIAL NA CONJUNTURA DEMOCRÁTICA CONTEMPORÂNEA
José Eduardo Ribeiro Balera, CHARLES FELDHAUS
Data da defesa: 04/11/2024
Nos últimos anos, tem aumentado, de modo considerável, as denúncias de discursos com
conteúdo discriminatório, das práticas públicas de preconceito, da hostilidade contra minorias
sociais e das manifestações de extremismo e de polarização na sociedade. Na trilha da
filosofia social, o presente trabalho tem por objetivo averiguar se as práticas discursivas de
ódio e de preconceito, no atual contexto democrático, podem ser qualificadas como uma
patologia social ou se seriam, no máximo, fatos fragmentados e episódicos que geram tensões
do ponto de vista puramente moral e jurídico. Para tanto, propõe-se a elaboração de um
diagnóstico desse possível distúrbio social com a identificação das particularidades das
práticas discursivas de hostilidade que, em conjunto e sob a luz do paradigma honnethiano do
reconhecimento, constituem uma práxis social degenerada prejudicial à realização mínima dos
projetos de vida dos cidadãos. Assim, propõe-se especificar, por exemplo, os efeitos nocivos
da naturalização desse comportamento pela sociedade, as causas eventuais de tais práticas
sociais, as formas de reprodução e os mecanismos favoráveis à sua disseminação acrítica.
Portanto, são apresentados os elementos constitutivos dessa patologia social e os mecanismos
intersubjetivos de dominação, exclusão, desigualdade e opressão reproduzidos em conjunturas
democráticas distorcidas. Com base na clara identificação desse quadro patológico, propõe-se
um esboço de diretrizes para uma teoria antidiscriminatória da democracia, ou seja,
examinam-se potenciais recomendações de cunho terapêutico em favor da transformação
social e do combate do preconceito. Em termos metodológicos, a investigação é baseada,
sobretudo, na teoria do reconhecimento de Axel Honneth e em suas explicações relativas às
práticas de desrespeito e às disfunções sociais das sociedades contemporâneas. Para o
aprofundamento do estudo, confronta-se a filosofia de Honneth com argumentos de seus
críticos e de potenciais interlocutores, como Joel Whitebook, Nancy Fraser, Martha
Nussbaum e Miranda Fricker. Ao longo do texto, distancia-se progressivamente da leitura
política ideal e são apresentadas as incongruências reproduzidas pelas práticas sociais
patológicas, bem como sua capacidade para impedir a satisfatória realização dos projetos de
“vida boa” dos cidadãos e de grupos socialmente vulneráveis. De início, os principais
argumentos de Jeremy Waldron, relativos aos discursos de ódio, são expostos para
contextualizar a problemática e auxiliar o leitor na compreensão do debate existente na
filosofia política. Em seguinte, é apresentada a estrutura elementar do paradigma do
reconhecimento de Honneth e a proposta de diagnóstico crítico da filosofia social. Nos
capítulos subsequentes, examinam-se os danos sociais dos discursos de conteúdo
discriminatório, as lesões geradas às vítimas, as prováveis causas desses padrões
comportamentais deletérios ao organismo social e os fatores de seu alastramento.
Adicionalmente, expõe-se a concepção de democracia cooperativa e o exercício das
liberdades à filosofia de Honneth. Por fim, são avaliadas as alternativas terapêuticas para a
efetivação de uma conjuntura antidiscriminatória da democracia. Na conclusão, sugere-se o
uso do diagnóstico para a formulação de uma concepção de democracia capaz de estimular
um amadurecimento social favorável à autorrealização de todos os cidadãos. Após a
conclusão, foi apresentado um ensaio baseado nas lições da teoria neurocomportamental
contemporânea e nas reflexões de Cass Sunstein, na tentativa de superar a lacuna explicativa
de Honneth quanto aos processos de patogenia social por uma perspectiva macro.
ARTHUR SCHOPENHAUER E O CRISTIANISMO: ASCESE, NEGAÇÃO DO MUNDO E SUA RELAÇÃO COM A ÉTICA
Gabriel Pedrão Feliciano , AGUINALDO PAVÃO
Data da defesa: 17/05/2024
Este projeto de pesquisa se propõe apresentar as duas diferentes perspectivas que
Schopenhauer possui no que diz respeito ao cristianismo, principalmente no livro IV
de O mundo como vontade e como representação, e o capítulo XVII do segundo
tomo desta mesma obra, para assim, entender qual é a relação que Schopenhauer
tem com a religião cristã: ela é imprescindível em sua filosofia ou não? Quando o
assunto é o cristianismo, podemos notar dois lados opostos em seu pensamento: o
cristão, que se relaciona com a religião, encontrado principalmente na ética, e o
crítico, relacionado às alegorias e sua atuação. Perante a isso, nesta dissertação se
buscará entender por qual motivo o filósofo considera sua filosofia cristã,
defendendo uma diferenciação entre o cristianismo tradicional e o utilizado pelo
autor. Desse modo, o entendimento de Schopenhauer sobre cristianismo é diferente
do tradicional, e, quando se relaciona com a religião, o faz tendo base o verdadeiro
cristianismo, aquele que sofre influência das religiões orientais, sediado no Novo
Testamento, e quando critica, leva em conta o cristianismo com raízes judaicas. Por
fim, com base nessa separação entre o verdadeiro cristianismo e o outro, é possível
facilitar o entendimento sobre a verdade da ambivalência da religião cristã, e
também, da não contradição de Schopenhauer, quando o assunto é o cristianismo.
O conceito de Ideia em Schopenhauer
CAMILA BEREHULKA DE ALMEIDA, José Fernandes Weber
Data da defesa: 29/02/2024
O conceito de Ideia em Schopenhauer costuma ser um conceito bastante criticado por
estudiosos do filósofo, considerado como um erro, ou ainda um argumento ad-hoc.
Tendo em vista que esse conceito é originariamente da filosofia de Platão, acreditam
que o mesmo não teria lugar em uma filosofia imanente. O presente trabalho pretende
defender que, na verdade, o conceito de Ideias de Platão sofreu constantes alterações
com o passar dos séculos, sendo considerado posteriormente como um conceito
pertencente às artes e à vida interior do artista e tais alterações, ainda que não sejam
claramente mencionadas por Schopenhauer, foram decisivas para a sua apropriação do
mesmo, configurando um papel importante em sua metafísica do Belo, bem como na
metafísica da Ética. Além disso, analisamos as críticas desferidas contra esse uso
schopenhaueriano das Ideias platônicas, as quais, por ignorarem essa alteração de
significado, incluíram na filosofia de Schopenhauer conclusões que não fazem parte do
pensamento do filósofo, sendo inclusive contraditórias ao que preconiza o pensamento
do filósofo de O Mundo como Vontade e como Representação. Expomos que
Schopenhauer operou uma subversão do conceito de Ideias em sua significação, que não
apenas se refere à Arte e ao Artista (Gênio), mas que em sua filosofia possui um caráter
profundamente imanente e ligado à Vontade como coisa-em-si. Por fim, apresentamos,
a título de exemplo, a poesia de Augusto dos Anjos como uma receptora do conceito de
Ideia.
CARNAP, SUPPE E VAN FRAASSEN SENTAM À FOGUEIRA: Uma investigação em defesa da Received View
PEDRO HENRIQUE NOGUEIRA PIZZUTTI, Gelson Liston
Data da defesa: 28/03/2024
Nesta tese, conduzimos uma reconsideração da história da Filosofia da Ciência tendo por
enfoque a considerada “superação” do Empirismo Lógico e sua abordagem sintática de teorias
científicas. Nesse sentido, na história da Filosofia da Ciência, é tido que duas tradições
dominaram o cenário no que tange às temáticas da estrutura das teorias científicas e da relação
entre teoria e observação, a saber, a Received View dos empiristas lógicos e a Semantic View
dos semanticistas pós-positivistas. A partir das inúmeras críticas e do enorme movimento de
rejeição, foi considerado que a Received View era uma abordagem terminantemente errada, em
seus mais variados aspectos, que nada tinha a contribuir à Filosofia da Ciência. Em
contrapartida a esse estado de coisas e, ancorados em um movimento crescente de
reconsideração da filosofia dos autores do Empirismo Lógico, nossa hipótese de trabalho é a de
que, a despeito de todas as falhas e equívocos, a filosofia lógico-empirista, plural em seus
autores, está longe de constituir uma filosofia morta e fossilizada cujo mérito é apenas
historiográfico. Por conseguinte, apresentamos uma investigação acerca da estrutura das teorias
científicas, da relação teoria-observação e do debate do realismo científico em defesa da
Received View. Isto é, investigamos essas temáticas tendo por referencial as críticas levantadas
ao modo como a Received View lidou com elas e como a tradição pós-positivista, em especial
a Semantic View, tentou apresentar soluções a esses problemas crucialmente importantes à
Filosofia da Ciência. Com base nesse exame, que tem como referencial teórico maior as obras
de Rudolf Carnap, representando a Received View, e Frederick Suppe e Bas van Fraassen,
representando a Semantic View, desfazemos caricaturas da abordagem sintática do Empirismo
Lógico, desmitificamos certas “vantagens” teóricas e conceituais consideradas historicamente
inerentes à abordagem semântica e, em especial, defendemos a tese de que a “superação” da
Received View na Filosofia da Ciência foi um “acidente” histórico e não uma “necessidade”
filosófica. De modo que, a Received View foi, pode ser e, de fato é, uma ferramenta importante
para nossa compreensão de teorias científicas e de outros temas centrais em Filosofia da
Ciência.
ARENDT E A CRÍTICA AO ESTADO-NAÇÃO SOBERANO
ANA CAROLINA TURQUINO TURATTO, Maria Cristina Müller
Data da defesa: 29/04/2024
A tese tem como tema soberania e Estado-nação a partir de Arendt. O tema é
problematizado face à existência de seres humanos destituídos de um lar, excluídos
dos corpos políticos constituídos como Estados-nação soberano e relegados à própria
sorte sem quaisquer garantias. Recentemente os acontecimentos enfrentados pela
humanidade com mais intensidade, como as questões dos refugiados e das guerras
entre Estados demonstraram que o direito de pertença a um corpo político e o direito
à cidadania no modelo da organização mundial quanto uma questão interna aos
Estados é bastante delicada. A pergunta que norteia esta pesquisa é em qual medida
o modelo Estado-nação soberano, enquanto padrão amplamente adotado como
organização política no mundo, inviabiliza a amizade enquanto exercício político e,
por consequência, faz com que os seres humanos, em situações limites, sejam vistos
apenas na abstrata nudez, o ser unicamente humano, não obstante as diversidades
culturais, étnicas e morais entre os mais diversos grupos humanos? Também como
uma pergunta subsidiária tem-se: haveria outros modos de organização políticojurídica entre os Estados? Diante do objetivo de analisar os conceitos e as críticas
feitos por Arendt às noções de Estado-nação e soberania, com vista a outros modos
de organização política para além do vínculo ao Estado-nação soberano, mediante
pesquisa bibliográfica dos textos, dentre outros, de Arendt, Bodin, Rousseau, Sieyès
e Montesquieu e seus comentadores, tendo por horizonte a hipótese, que ao final se
confirma, de que o amor mundi e a amizade política são alternativas à soberania e ao
Estado-nação.
A UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO PENSAMENTO DE HANNAH ARENDT E CHANTAL MOUFFE A RESPEITO DA PLURALIDADE E DO PLURALISMO
MIRELLE NEME BUZALAF , Maria Cristina Müller
Data da defesa: 11/12/2023
O presente estudo questiona a validade da assunção de que os direitos humanos são
dotados de universalidade utilizando os conceitos de pluralidade em Hanna Arendt e
de pluralismo em Chantal Mouffe. O tema é problematizado a partir do pressuposto
de que a complexidade e a diversidade das organizações humanas não se coadunam
com a ideia de uniformidade na concepção e interpretação dos direitos humanos.
Entende-se que a consideração da pluralidade como fato e a incorporação do
pluralismo agonístico como necessidade do mundo contemporâneo levam à diversas
formulações de direitos humanos. No intuito de verificar se há algo universalizável no
que diz respeito à proteção das pessoas humanas procedeu-se à análise da
consideração da suposta igualdade dos destinatários desses direitos, bem como à
existência de um fundamento único do qual partam a construção, a definição e a
interpretação de seu conteúdo. Foi constatada, em ambas as pensadoras, a
importância da consideração da diversidade histórica e cultural na construção dos
direitos humanos, bem como dos limites às identificações culturais e étnicas. Com
base na compreensão dos textos de Arendt e Mouffe e na convergência do resultado
das suas análises propõe-se que a concepção de direitos humanos adequada ao
mundo contemporâneo deve partir da proteção universal da pluralidade e do direito a
ter direitos. Nesse sentido a pluralidade deve ser tutelada de modo universal e como
limite à soberania na proteção da pessoa humana. O direito a ter direitos, direito à
cidadania, é incorporado à tese como direito à participação na construção de um
mundo comum, independentemente da nacionalidade e relacionado ao respeito à
pluralidade. A pobreza extrema, considerada como óbice ao direito a ter direitos, se
adequa à ideia de mal banal que destrói a pluralidade sendo o seu combate
imprescindível à ideia de direitos humanos. A divisão espacial do poder que permita a
participação dos diversos grupos na construção do que é próprio a cada um, e do
elemento unificador que os perpassa, que é a pluralidade, converge com uma
concepção mais adequada à complexidade e diversidade do mundo contemporâneo.
A pesquisa é bibliográfica e utiliza como procedimentos a leitura, análise,
compreensão e comparação das ideias das duas pensadoras. O principal resultado é
a necessidade de releitura da universalidade dos direitos humanos sob a ótica da
pluralidade e do pluralismo de modo a possibilitar diversas formulações de direitos
humanos.
CONSCIÊNCIA DA MORTE E INDESTRUTIBILIDADE DO SER: Uma conexão entre os capítulos 17 e 41 do Tomo II de O Mundo como Vontade e Representação de Arthur Schopenhauer
CAMILA GOMES WEBER, AGUINALDO PAVÃO
Data da defesa: 23/06/2023
Este trabalho consiste em sustentar que a compreensão schopenhaueriana dos vínculos entre a
disposição metafísica do humano e o problema da morte, considerações de Schopenhauer
apresentadas no capítulo 17 dos Suplementos aos quatro livros do primeiro tomo de O mundo
como vontade e como representação, intitulado Sobre a necessidade metafísica do ser humano,
adquire alcance e profundidade plenos quando complementadas com as reflexões expressas no
capítulo 41 dos mesmos Suplementos, intitulado Sobre a morte e sua relação com a
indestrutibilidade de nosso ser em si, acerca do que É a morte e o que é ATINGIDO por meio
dela. Assim, para que o objetivo seja alcançado, serão apresentados os principais componentes
da filosofia de Schopenhauer sobre a morte presentes em ambos os capítulos supracitados, quais
sejam: 1. O temor da morte como manifestação da Vontade de vida no indivíduo; 2. A
especificidade das compreensões filosóficas e religiosas da necessidade metafísica do ser
humano; 3. A teoria da Ideia e Espécie como superação dos condicionantes individuais; 4. A
distinção entre Vontade e Intelecto para a compreensão da indestrutibilidade da verdadeira
essência; e, por fim, 5. A Vontade como o núcleo indestrutível de nosso ser que a morte não
afeta, visto que ela é apenas uma ação sobre a dimensão representativa do humano. A partir
disso, será mostrado que os capítulos 17 e 41 do Tomo II d'O Mundo são complementares de
forma indispensável para a compreensão da metafísica da morte em Schopenhauer, já
apresentada inicialmente no parágrafo 54 do Tomo I d’O Mundo.
Modificações de Kant na sua concepção de direito dos estados e cosmopolitismo: um estudo das exposições de 1784 e 1795. 2023
ANGÉLICA GODINHO DA COSTA, Fábio César Scherer
Data da defesa: 31/07/2023
O presente trabalho trata do cosmopolitismo e, por aderência, do direito dos Estados, dado que
aquele por vezes está atrelado com esse, em duas das suas principais exposições em Kant, a
saber, nos escritos Ideia de uma história universal com um propósito cosmopolita (1784) e À
paz perpétua (1795). Recentes estudos apontam mudanças na visão kantiana do
cosmopolitismo — e de conceitos a ele vinculados — entre as décadas de 1780 e 1790 (Pauline
Kleingeld, Joel Thiago Klein, Georg Cavallar, Claudio Corradetti e Martha C. Nussbaum, entre
outros intérpretes kantianos) que, por muitos anos, teriam sido negligenciadas. Neste contexto
se insere a nossa pesquisa, que pretende investigar se houve de fato alterações nestas
concepções, bem como indicar como elas devem ser interpretadas no escopo kantiano: enquanto
desenvolvimento linear, em que há explicitação de características de uma mesma concepção
originalmente posta, ou na esteira de uma nova proposta, marcada pela reconfiguração das
características legislativas e executórias no direito dos Estados, e pelo novo status e função do
cosmopolitismo no corpus jurídico kantiano. Iniciamos a análise de cada uma das exposições
kantianas com a apresentação dos pressupostos e do arcabouço teórico em que os tópicos em
questão se encontram inseridos e, em seguida, buscamos identificar as suas notas típicas,
visando a posterior investigação se houve alterações significativas entre as exposições e onde
elas ocorreram de forma mais acentuada. Ao final do trabalho, a título de anexo, apresentamos
a tradução (de minha autoria) do artigo On Dealing with Kant’s Sexism and Racism de Pauline
Kleingeld, visando enriquecer a discussão sobre alguns aspectos que intersectam com a
concepção kantiana de direito dos povos e cosmopolitismo e, sobretudo ilustrar o perfil flexível
do pesquisador Kant que busca adequar as suas visões aos princípios da sua filosofia, tal como
faz ao remodelar a sua visão sobre a hierarquia das raças, a superioridade branca, o colonialismo
e a escravidão a partir da metade da década de 90 com a introdução do “direito cosmopolita”
enquanto uma esfera própria do direito público.
A constituição do Eu em Hannah Arendt
ALINE MARIA RIBEIRO-CANTU, Maria Cristina Müller
Data da defesa: 23/01/2024
Esta pesquisa analisa a constituição do Eu em Hannah Arendt, concentrando-se em
dois momentos centrais de seus escritos: a abordagem da solidão como experiência
existencial radical de perda do Eu e a dualidade da identidade na atividade do
pensar, em que um Eu se transforma em dois, metaforizando o diálogo interno do
pensar. Pergunta-se pela constituição do Eu em Hannah Arendt, de modo que o
objetivo central é compreender como tal constituição se apresenta ao mundo.
Utilizando a revisão bibliográfica como metodologia, foram examinados os textos
Que é filosofia da existência, Origens do Totalitarismo, A Condição Humana e A Vida
do Espírito, bem como Eichmann em Jerusalém, Karl Jaspers: uma laudatio e Karl
Jaspers: Cidadão do Mundo. A análise permitiu localizar momentos específicos em
que Arendt aborda a noção do Eu e discute temas relacionados, como a questão do
ser, do pensamento, da identidade, da pessoa e da personalidade que emerge no
mundo por meio de atos e palavras. Verificou-se que, em Arendt, o Eu é formado por
meio de relações com os outros, com o mundo e consigo mesmo, caracterizado pela
pluralidade do diálogo interior e do diálogo exterior. O Eu é concebido como plural,
relacional e livre. Em contextos sociais fragilizados, a falta de responsabilidade pelo
mundo resulta em indiferença e individualismo, culminando na busca de refúgio em
um mundo lógico e coerente. Conclui-se que o Eu, se privado de relações, torna-se
cindido, apresentando uma falta que fragiliza sua posição no mundo. Esse Eu
fragilizado pode escolher não se responsabilizar pelo mundo em que vive, gerando
uma disposição generalizada de indiferença em relação às demais perspectivas.
ANIMALIDADE HUMANA NA CRÍTICA AO ANTROPOCENTRISMO EM FRIEDRICH NIETZSCHE
MATHEUS BECARI DIAS, José Fernandes Weber
Data da defesa: 25/01/2024
Esta dissertação pretende investigar a problemática da animalidade humana
enquanto elemento central na crítica de Friedrich Nietzsche ao antropocentrismo,
conforme delineado em seus escritos do primeiro e segundo período de sua obra. A
pesquisa parte da hipótese de que a questão da animalidade humana não apenas
se apresenta como pano de fundo de algumas das grandes críticas de Nietzsche à
verdade, à moral e à metafísica, mas também se configura como uma ferramenta
teórica essencial para questionar as bases do antropocentrismo predominante na
tradição filosófica. O primeiro capítulo dedica-se à análise da caracterização da
animalidade humana nos textos do jovem Nietzsche (1870-1876), examinando o
embate estabelecido pelo filósofo com a tradição filosófica preponderante no
Ocidente desde Sócrates. Esta tradição constituiu os alicerces do antropocentrismo
a partir do estabelecimento da dualidade entre instinto e razão, mundo material e
imaterial, ser humano e animal, assim como a superioridade atribuída ao intelecto
sobre outros elementos da existência. Ao rejeitar o dualismo arraigado ao
pensamento Ocidental, a crítica de Nietzsche se desdobra em uma crítica ao
antropocentrismo, oferecendo uma visão alternativa da existência, onde a
humanidade é concebida não como algo separado e superior, mas como parte
integrante da animalidade. No segundo capítulo, a pesquisa avança para o período
intermediário (1876-1882), examinando a evolução da compreensão nietzscheana
sobre a natureza humana. A análise de aforismos selecionados destaca a relevância
da animalidade na argumentação do filósofo, elucidando os aspectos conceituais
incorporados à sua visão do ser humano e a articulação de sua contrariedade ao
antropocentrismo. As variações na abordagem da animalidade nos dois primeiros
períodos do pensamento de Nietzsche evidenciam a ligação intrínseca dessa
temática com a resistência filosófica do autor ao antropocentrismo e sua defesa de
uma interpretação da humanidade que a concebe como inseparável de seus
impulsos instintivos e animalescos.