Rede de enfrentamento a violência contra as mulheres do município de Londrina-PR: Potencialidades e desafios
Josiane Nunes Maia, Marselle Nobre de Carvalho
Data da defesa: 04/05/2022
A violência contra as mulheres permanece em nosso meio, ora mantendo sua estrutura arcaica, ora ganhando novas formas. A rede de enfrentamento tem papel essencial na quebra desse silêncio coletivo e em dar visibilidade às relações que se estabelecem quan-do se depara com a violência sofrida pelas mulheres. O presente estudo teve como objeti-vo analisar a organização e funcionamento da Rede de Enfrentamento à Violência Domés-tica, Familiar e Sexual contra as Mulheres do Município de Londrina. Assim, trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório e analítico. Foram utilizadas técnicas mis-tas de análise de dados: observação participante com registro de informações em diário de campo, análise documental, e entrevistas. Para a sistematização e análise os dados, em-pregou-se a Análise de Conteúdo proposta por Bardin. A primeira fase tratou da organiza-ção do material a ser analisado, foi realizada escuta e transcrição das gravações das en-trevistas, leitura flutuante do corpus das atas, do diário de campo e das entrevistas que ocorreram no período de abril a maio de 2021 com membros da rede. Na fase de explora-ção do material, os textos foram recortados em unidades de contexto e unidades de regis-tro. Estas unidades foram agrupadas de acordo com semelhanças de sentido e foram-lhes dados a unidade de conteúdo temática. Na sequência, as unidades de registro foram reli-das, emergindo duas categorias empíricas: estratégias de articulação da rede de atendi-mento, e potencialidades e fragilidades da rede de enfrentamento. A terceira fase compre-endeu o tratamento dos resultados, inferência e interpretação, retomando o objetivo da investigação que é analisar a organização e funcionamento da rede. Entre os participantes da pesquisa as mulheres são a maioria, 27 (96,4%). Em relação aos cargos, são psicólo-gos (32,1%) e assistentes sociais (21,4%), expressão das relações de gênero, pois são profissões a muito delegadas às mulheres, por estarem relacionadas ao cuidado. A organi-zação da rede iniciou em 1986, com a Delegacia da Mulher, em 1988 o Conselho Munici-pal de Direitos das Mulheres e em 1993 a Coordenadoria Especial da Mulher, seguido da Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres em 2003. Atuar em equipe é um dos facilitadores da articulação na rede. A atuação coordenada e a forma como as reuniões são planejadas, conduzidas e os debates são as ferramentas que proporcionam o trabalho em equipe. A referência e contrarreferência são dificuldades na articulação da rede de atendimento. Os motivos da não realização dessas ações são: baixo número de profissio-nais, ausência de fluxo formal e excesso de demanda. A rede estruturada é uma potencia-lidade devido o município estar na vanguarda da organização e da implantação de políticas públicas e ter respaldo nas leis e decretos. A falta de participação e de comprometimento dos membros, traz fragilidade nos elos e nas articulações e se apresenta como um desafio para a rede. Entende-se que para a institucionalização desta rede é necessário o fortale-cimento de suas potencialidades e superação dos desafios que se apresentam.
Ação coletiva e cooperação: por uma nova regionalização no SUS
Silvia Karla Azevedo Vieira Andrade, Fernanda de Freitas Mendonça
Data da defesa: 06/05/2022
O processo de regionalização no SUS encontra entraves para sua efetivação, considerando a diversidade e complexidade dos territórios regionais no país e as limitações nas relações federativas. Essas limitações, embora percebidas pelos atores que participam dos espaços de discussão e de tomada de decisões, se cristalizam no cotidiano técnico-político da gestão e do planejamento em saúde. Frente a esses pressupostos, esse estudo objetiva compreender como ocorre a ação coletiva e a cooperação no território regional com vistas à estruturação de um plano de ação para uma nova regionalização no SUS. O embasamento do estudo contemplou os conceitos do federalismo, das relações de poder e da ação coletiva, que se entrelaçaram como referentes em um mapa teórico conceitual. O caminho do estudo foi estruturado a partir da metodologia de pesquisa-ação, de abordagem qualitativa, envolvendo os sujeitos atuantes no território e percorrendo três etapas subsequentes: a etapa diagnóstica, que teve dois momentos de coleta, a etapa de imersão, que identificou e estruturou espaços de ação coletiva e, por fim, a etapa de interposição, que oportunizou a estruturação do plano de ação para a regionalização. Como resultados do estudo, foram identificados os elementos da ação coletiva e do exercício do poder no âmbito da relação federativa, bem como aspectos limitadores da atuação dos entes frente às suas competências, além de fatores que limitam ou potencializam a ação coletiva no território, que se expressa por meio da cooperação e coordenação de políticas públicas no planejamento regional no SUS. Foram também experimentadas estratégias em potencial para fortalecer a ação coletiva no cotidiano das relações federativas e das relações de poder neste local e, por fim, foi elaborado um plano de ação, como exercício de propositiva de caminhos para uma nova regionalização no SUS. Esses caminhos apontaram para a necessidade de estruturação de espaços dialógicos horizontais no território regional e da pactuação de um contrato da ação pública entre os entes federativos, para o compartilhamento de responsabilidades melhor definidas entre esses entes, que preceda a contratualização de ações e serviços e sintetize o planejamento regional das políticas públicas de saúde.
Caminhos da Rede: Itinerário percorrido por mulheres vítimas de violência em Londrina
Giovana Maria Mourinho Ferreira, Marselle Nobre de Carvalho
Data da defesa: 03/05/2022
Este estudo reconstrói o caminho percorrido por mulheres vítimas de violência na busca por cuidado e proteção na cidade de Londrina, Paraná. Considera-se a violência como uma assimetria em uma relação hierárquica de desigualdade, com fins de dominação, de exploração e opressão que descaracteriza os sujeitos ao passo que os mantém passivos e impedidos diante do agressor. Os caminhos percorridos pelas mulheres em situação de violência em busca por proteção são chamados de rota crítica e delineiam os passos antes da chegada aos serviços da rede. A análise desses processos e percursos considera que as formas como os serviços e profissionais que compõem a rede se relacionam com as questões de violência e gênero podem produzir impedimentos ao acesso das mulheres aos meios de proteção, bem como, são capazes de contribuir para a manutenção da invisibilidade do fenômeno. O objetivo desta pesquisa foi analisar os caminhos percorridos por mulheres vítimas de violência em busca de proteção em Londrina, de forma a identificar os pontos de cuidado e proteção que as mulheres percorreram, as ofertas de cuidado e proteção da rede e compreender os fatores que influenciaram as trajetórias. Realizou-se uma pesquisa exploratória de abordagem qualitativa a partir da reconstrução dos caminhos percorridos pelas mulheres em busca de proteção através da utilização do método história oral temática. As participantes foram sete mulheres que vivenciaram algum tipo de violência ao longo de suas vidas. Foram realizadas entrevistas em profundidade considerando os detalhes, sentimentos e memórias trazidos pelas participantes. Pode-se chegar a sete trajetórias percorridas de maneira singular, com especificidades e encontros únicos que fizeram com que se mantivessem na busca por proteção, recuassem e voltassem para contextos violentos ou lançassem mão de outras estratégias para que sobrevivessem às diversas formas de agressão. A rede configurada como organização de serviços, fluxos e valores passou por modificações significativas ao longo dos anos, capacitando os profissionais e buscando articular os serviços cada vez mais. Se mostra necessária a ampliação de formação e capacitação para uma escuta qualificada e formas de acolhimento mais efetivas em todos os pontos da rede, de maneira a atuar em relação ao desamparo e manutenção de situações de violência.
Estratégias de Promoção da Saúde na Primeira Infância: Tecendo Redes Locais
Camila Sighinolfi de Moura, Mathias Roberto Loch
Data da defesa: 02/05/2022
Os primeiros anos de vida são como a fundação de uma casa e, ao investir na primeira infância, investimos na sociedade como um todo. Nesse sentido, essa pesquisa objetivou analisar intervenções, estratégias e recursos utilizados para a realização de ações de Promoção da Saúde na Primeira infância, à luz da intersetorialidade, em um território da Atenção Primária à Saúde (APS) em um município de grande porte do norte do Paraná. Foi realizada uma pesquisa de abordagem qualitativa exploratória na qual o percurso metodológico foi estruturado para que, cada momento da pesquisa, subsidiasse o melhor direcionamento para a realização do Grupo Focal. Dessa forma, utilizando-se de informações obtidas através de coleta de dados primários e secundários, a seleção dos atores sociais se deu a partir da delimitação do universo amostral, da seleção e caracterização do Território de estudo e, proveniente dessa análise foram selecionados os atores sociais que mantinham vínculos mais expressivos com o território. Assim, o grupo focal foi realizado com oito atores sociais da rede local e analisado à luz de Bardin (2011). O material coletado foi organizado a partir das falas dos participantes que compartilharam suas vivências e experiências e, derivadas de sua análise, emergiram quatro categorias: 1) Demanda “mais Pititiquinha” e a situação de saúde na primeira infância: da clínica ao social; 2) PueriCULTURA: Ritalina para Todo Mundo 3) Rede de Nó(s): criando laços intersetoriais e 4) MultiplicAÇÃO: estratégias locais de promoção da saúde na primeira infância. O conjunto de ideias centrais fez vir à tona a visão de uma Primeira Infância demarcada por barreiras relacionadas ao aumento das demandas de ordem sociais e clínicas; a eclosão de transtornos “psiquiátricos”; as repercussões das tecnologias e mídias digitais nas relações humanas; as dificuldades da rede para lidar com os pais na construção da parentalidade e no desenvolvimento infantil, principalmente diante do modelo biomédico e da lacuna de formação, da sobrecarga e do sucateamento do trabalho; dos recursos insuficientes e, da persistência mal sucedida de articulação com os conselhos e participação popular, dificultando iniciativas intersetoriais. Frente a essas adversidades, a pesquisa identificou dispositivos potencializadores de Saúde para fomentar o trabalho intersetorial e a realização de ações de Promoção da Saúde na Primeira Infância demonstradas por esforços incansáveis, coletivos e individuais, de forma intra e intersetorial, que foram desde uma sequência de encaminhamentos médicos, avaliações, ações clínico-assistenciais, vacinas, até ações lúdicas na puericultura, projetos de construção de hortas e compostagem e a proposição de grupos familiares intergeracionais na Educação, na Saúde, e na Assistência Social. As estratégias ratificam a importância do estabelecimento de redes locais de cogestão e a potência da Promoção da Saúde na Primeira Infância no enfrentamento dos Determinantes Sociais da Saúde.
Atividade física no tempo livre, barreiras e apoio social em imigrantes angolanos residentes no Brasil.
Celma Marília da Natividade Leão Chingulo, Mathias Roberto Loch
Data da defesa: 06/04/2022
Introdução: A atividade física, conforme tem sido conceituada no âmbito da saúde pública, é um importante fator de prevenção e promoção de saúde, envolvendo pessoas que se movem, agindo e atuando em espaços e contextos culturalmente específicos e influenciados por diversos aspectos, emoções, ideias, instruções e relacionamentos. No entanto, ainda não se sabe como se dá esse comportamento em populações imigrantes, sobretudo no contexto brasileiro. Objetivo: O presente estudo teve como objetivo investigar os aspectos relacionados a prática de atividade física no tempo livre, barreiras para a prática de atividade física e o apoio social em imigrantes angolanos residentes no Brasil. Métodos: Trata-se de um estudo de delineamento transversal. Para se chegar à amostra do estudo, fez-se o recrutamento dos participantes por meio das associações de estudantes angolanos que tinham grupo virtual, nos quais a pesquisadora principal tinha contato prévio. Foi realizado o contato com associações de sete estados (Ceará, Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo e Pernambuco), e a população estimada foi de 674 imigrantes. Destes 674, obteve-se resposta de 302 indivíduos (45%). Após as exclusões, por não residirem atualmente no Brasil ou por variáveis incompletas, foram considerados no estudo 247 indivíduos (37%). Para este estudo, foram utilizadas variáveis demográficas e de saúde, o apoio social, barreiras para a prática de atividade física e a atividade física. Para a mensuração do apoio social, utilizou-se a escala Medical Outcomes Study of Social Support Scale (MOS-SSS), que é composto por 4 dimensões do apoio social, material, emocional/informação, afetivo e interação social positiva, cada uma com três categorias (alto, médio e baixo), e para fins de análise, foi necessária a dicotomização; para a atividade física no tempo livre, utilizou-se a versão longa do International Physical Activity Questionnaire (IPAQ). Foram considerados ativos no tempo livre aqueles que pontuaram ≥ 150minutos/semanais; para as barreiras para a prática de atividade física, utilizou-se instrumento de Reichert (2004) que apresenta oito barreiras, e além dessas, incluiu-se uma barreira relacionada com o ambiente. As análises foram realizadas pelo programa Statistical Package for the Social Sciences (IBM SPSS) versão 25.0, a partir de elementos da estatística descritiva, teste qui-quadrado e razão de prevalência a partir da regressão de Poisson com variância robusta. Resultados: Entre os principais achados do estudo estão: 1) a maioria dos participantes foi classificado como sendo fisicamente ativo no tempo livre (66,4%), e houve maior prevalência de atividade física em indivíduos do sexo masculino do que na população feminina (70,6% e 50,9%, respectivamente); 2) para as dimensões afetiva, interação social positiva e emocional/informação, a maioria dos participantes apresentou apoio alto, e para o apoio material, cerca de 47,4% apresentou apoio médio; 3) foram identificadas pelo menos quatro barreiras para a atividade física com prevalência maior que 25%, sentir preguiça ou cansaço (41,7%), falta de dinheiro (36,4%), medo de se machucar realizando atividade física (29,1%), e falta de companhia (25,9%). A maioria dos participantes apresentou pelo menos uma barreira (80,1%); 4) dentre as quatro dimensões do apoio social estudadas, houve associação entre a prática de atividade física com apenas uma das dimensões, o apoio emocional/informação, após ajustado pelas variáveis demográficas e de saúde, sendo que aqueles que tinham maior apoio emocional e de informação apresentaram uma maior prevalência de prática de atividade física no tempo livre (RP=1,25, IC95%=1,04-1,50); 5) as barreiras associadas à prática de atividade física foram: sentir preguiça ou cansaço, gostar de praticar e tempo livre, sendo que os indivíduos que não referiram ter a barreira tiveram maior prevalência de atividade física no tempo livre- não sentir preguiça ou cansaço (RP= 1,38, IC95%= 1,12-1,70); gostar de praticar atividade física (RP= 2,22, IC95%= 1,20-4,13); e ter tempo livre para a prática de atividade física (RP=1,65, IC95%=1,13-2,45); 6) aqueles que referiram nenhuma barreira ou uma barreira tiveram maior prevalência de prática de atividade física no tempo livre do que aqueles que tinham quatro ou mais barreiras - nenhuma barreira (RP=1,90, IC95%=1,23-2,95) e, uma barreira (RP=1,62, IC95%=1,04-2,53). Conclusão: No presente estudo, a maior parte da amostra foi considerada fisicamente ativa no tempo livre, sendo que houve maior prevalência de prática de atividade física em homens do que nas mulheres. Além disso, houve quatro barreiras para a prática de atividade física com prevalência superior a 25%, sentir preguiça ou cansaço para fazer atividades físicas, a falta de dinheiro, o medo de se machucar e a falta de companhia. Por fim, ser fisicamente ativo no tempo livre se associou com altos níveis de apoio emocional e de informação, gosto pela prática de atividade física, ter tempo livre e não sentir preguiça ou cansaço.
Repercussões do financiamento e da organização dos serviços de saúde bucal para o modelo de atenção odontológica na macrorregião Norte do Paraná.
Caroline Pagani Martins, Fernanda de Freitas Mendonça
Data da defesa: 24/02/2022
A conjuntura crítica perpetrada pela crise política e econômica ocorrida no Brasil em 2014 se somou a ascensão de um governo federal fortemente direcionado ao neoliberalismo, resultando em reformas econômicas centradas na austeridade fiscal, alterações emblemáticas na política de Atenção Básica (AB) e novas regras de financiamento federal do Sistema Único de Saúde (SUS). A compreensão dos efeitos dessas novas conformações para a assistência odontológica é imprescindível. Assim, o presente estudo teve como objetivo analisar as repercussões do financiamento e da organização dos serviços de saúde bucal para o modelo de atenção odontológica na macrorregião Norte do Paraná. Para tanto, realizou-se um estudo de natureza quanti-qualitativa desenvolvido em dois movimentos. O primeiro, quantitativo, foi constituído por um estudo descritivo e exploratório que, por meio de dados secundários, buscou avaliar indicadores de saúde bucal da macrorregião Norte do Paraná entre 2013 e 2019, identificando possíveis desafios para a consolidação dos pressupostos da Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB). No segundo movimento, qualitativo, foram entrevistados presencialmente entre julho e outubro de 2021, a partir de um roteiro semiestruturado, 29 gestores de saúde de 16 municípios da macrorregião Norte do Paraná. Utilizando-se o método de análise de discurso preconizado por Martins e Bicudo em 2005, foi investigada a percepção desses gestores sobre os principais desafios enfrentados na consolidação dos pressupostos da PNSB na atenção odontológica. Os resultados apontam um cenário atual preocupante para a macrorregião Norte do Paraná, com quedas abruptas no quantitativo de procedimentos individuais e ações coletivas, na contratualização de equipes de saúde bucal (eSB) e nas coberturas de eSB e de primeira consulta odontológica programática. Demonstram também que a organização da saúde bucal macrorregião analisada ainda prioriza condutas atreladas a modelos considerados ineficazes e ineficientes por serem produtivistas e curativistas, enquanto as Redes de Atenção à Saúde Bucal (RASB) se encontram fragilizadas devido aos amplos vazios assistenciais e pela dificuldade da Atenção Básica (AB) em atuar como coordenadora do cuidado. Ademais, outros problemas identificados foram a opção por modalidades de contratação menos estáveis e mais precarizadas, como a “pejotização”, o rompimento com as equipes multiprofissionais e a reordenação do trabalho com vistas ao cumprimento de metas, em uma perspectiva focalizada e produtivista, desconsiderando as reais necessidades dos territórios. A continuidade de políticas públicas de caráter universal que se pautam pela equidade é fundamental para os avanços em termos de acesso, utilização e resolutividade dos serviços. Dessa forma, a atual situação da PNSB suscita preocupação pois, caso não passe a ser financiada adequadamente e a receber priorização política, poderá se traduzir tão somente em uma política residual e focalizada.
Repercussões do contexto sócio-político, sanitário e normativo para a oferta e organização de serviços da Atenção Básica na Macrorregião Norte do Paraná
Wellington Pereira Lopes, Brígida Gimenez Carvalho
Data da defesa: 17/03/2022
Introdução: A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) se deu um contexto político de redemocratização do país, quando se encerrava um ciclo ditatorial e se iniciava o período democrático, marcado por manifestações, reinvindicações e participação popular em busca de melhorias em diversos aspectos. O contexto de implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) foi marcado por políticas normativas seguindo a lógica federativa do país por meio da descentralização e participação de todos os entes federados. Apesar dos diversos avanços nos útimos anos, questões relacionadas a crise política, avanço do neoliberalismo e crises sanitárias têm influenciado diretamente as mudanças ocorridas no SUS. Esse trabalho teve como objetivo: Analisar as possíveis repercussões do contexto sócio-político, sanitário e normativo para a oferta e organização de serviços da AB na macrorregião norte do Estado do Paraná. Metodologia: Estudo de caráter compreensivo, realizado em dois movimentos distintos. O primeiro, de caráter quantitativo descritivo, por meio de dados secundários, disponibilizados pelo Ministério da Saúde (MS) no sistema Espaço para Informação e Acesso para o Sistema da Atenção Básica (e-gestor), sobre número e cobertura de equipes estratégicas da Atenção Básica (AB), referente ao período 2011 a 2019. O segundo movimento, de caráter qualitativo, foi realizado em 16 municípios da macrorregião norte do Paraná. Os sujeitos da pesquisa foram coordenadores municipais da Atenção Básica (AB) e secretários municipais de saúde entrevistados por meio de roteiro semiestruturado, que continha questões que versavam sobre a organização da atenção básica e gestão do trabalho e foram realizadas no periodo de julho a outubro de 2021. Para análise e interpretação dos dados, foi utilizado o método de análise de discurso. Resultados: Houve aumento no quantitativo e na cobertura, tanto da Estatégia Saúde da Familia (eSF), quanto das demais equipes estratégicas entre os anos de 2011 a 2019, porém os resultados apontam estagnação e até mesmo redução para algumas estratégias nos anos subsequentes. O crescimento das ideias neoliberais, a reforma trabalhista e contextos políticos, econômicos e sociais no período da formulação da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) de 2017, refletiram em flexibilização da forma de contratação e na estrutura das composições das equipes, afetando principalmente os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) que sofreram redução do quantitativo de profissionais e da cobertura populacional. Na macrorregião norte do Paraná,a maioria dos municípios estudados manteve a organização da AB por meio das eSF, e em apenas três municípios verificou-se a existência de Equipes de Atenção Primária (eAP). Em relação às formas de contratação nesses municípios, notou-se aumento dos vínculos precáriosQuanto a percepção dos gestores sobre o desempenho e tipo de vínculo contratual, observouse que alguns gestores não identificam diferença entre a atuação de profissionais com vínculos distintos, entretanto houve ênfase por de alguns gestores que profissionais terceirizados e com vínculo de trabalho mais frágil tem melhor desempenho do que profissionais com estabilidade no trabalho. Observou-se que a crise sanitária da Covid-19 interferiu diretamente na organização e oferta de serviços da AB, além disso, a crise do federalismo brasileiro marcada por conflitos intergovernamentais provocou atraso na organização da AB para atuar frente a pandemia por Covid-19. Apesar disso houve organização por meio de unidades sentinelas de atendimento a pessoas sintomáticas respiratórias, unidades de coleta de exames e unidades de atendimento regular aos pacientes. Os serviços ofertados foram: tele-atendimento, rastreamento de casos suspeitos e casos confirmados, atendimento de pacientes com sintomas respiratórios nas unidades de referência, atendimento de rotina nas demais unidades, população do território, entrega ou envio por e-mail de receitas médicas de uso continuo aos pacientes crônicos para minimizar aglomerações, incentivo ao programa de imunização e atendimento psicológico. Conclusão: Os resultados permitem inferir que a PNAB 2017 não possibilitou o fortalecimento da AB com foco na eSF; que o cenário político, sanitário, econômico e social vivenciado pelos municípios nos últimos anos, interferiu diretamente na forma de contratação dos profissionais, na percepção dos gestores em relação ao desempenho e vínculo de trabalho e que a crise entre os entes federativos, especialmente a descooordenação, refletiu de forma negativa na organização da AB para o combate da Covid-19.
Regionalização e cooperação nas estratégias de contratualização no SUS
João Felipe Marques da Silva, Brígida Gimenez Carvalho
Data da defesa: 11/03/2022
A multiplicidade de modelos institucionais de gestão e prestação de serviços de saúde no Brasil mostra-se como um importante aspecto do processo de regionalização do SUS, especialmente em municípios de pequeno porte. A etapa de contratualização desses modelos institucionais apresenta-se como estratégia para o acesso dos usuários à atenção especializada ambulatorial e hospitalar; constitui-se como fase obrigatória para a oferta de serviços de saúde; e, encontra-se envolvida por diferentes formas de cooperação entre os entes federados e desses com distintas modalidades de prestação de serviços. Cada uma delas revela uma série de elementos, com regras e formatações institucionais, além de critérios contratuais distintos a depender de sua natureza jurídica. Ainda, são produtos de um determinado contexto histórico, reflexo de reformas constitucionais e administrativas, consequência da implementação de políticas específicas, bem como de demais aspectos relacionados às relações público-privadas. Nesse contexto, os processos de regionalização e contratualização dos serviços de saúde são variáveis dependentes, condicionados por fatores diversos, entre eles, as desigualdades e iniquidades na oferta, e a diversidade de atores e prestadores públicos e privados com ou sem fins lucrativos disponíveis no território. Dessa forma, ao considerar que a região de saúde é o lócus principal de organização do SUS com vistas à garantia constitucional da integralidade da atenção, essa pesquisa apresenta como objetivo principal, compreender como as estratégias de contratualização das modalidades institucionais de gestão e prestação de serviços para a assistência à saúde relacionam-se com a cooperação e com o processo de regionalização do SUS em regiões formadas por municípios de pequeno porte. Trata-se de um estudo de casos múltiplos, de caráter qualitativo, desenvolvido entre os meses de dezembro de 2019 a janeiro de 2021 na macrorregião norte do Paraná (16ª, 17ª, 18ª, 19ª e 22ª regionais de saúde), por meio do levantamento de dados secundários e entrevistas, utilizando-se de roteiro semiestruturado. Os sujeitos da pesquisa foram: gestores municipais, prestadores de serviços, técnicos das regionais de saúde, gestor estadual, diretor do consórcio público, representantes do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (COSEMS), e membro do controle social. As entrevistas foram submetidas à análise hermenêutica crítica, e os dados foram interpretados com apoio do referencial de análise de políticas. Os resultados foram organizados em seis capítulos, um fruto de revisão documental e outros cinco, representando os casos elencados para investigação: a) o caso da administração pública direta (HPP), b) o caso dos hospitais sem fins lucrativos, c) o caso dos hospitais com fins lucrativos, d) o caso da fundação estatal de direito privado (FEDP), e, e) o caso do consórcio público de saúde (CPS). O capítulo de revisão documental apresenta os antecedentes do processo de contratualização e regionalização de serviços no âmbito do SUS; propõe uma classificação a respeito das modalidades de contratos entre entes federados; e realiza um debate acerca da gestão do SUS e de estratégias de contratualização com vistas à regionalização e à direção única. Os demais capítulos apontam para diferentes formas de cooperação entre os entes envolvidos, a depender do caso (cooperação técnica, interfederativa, contratual, lucrativa, entre outras), bem como as modalidades que favorecem ou não o processo de regionalização nas regiões de estudo. Observa-se também que as formas de contratualização das modalidades discutidas estão diretamente relacionadas ao fato de os municípios envolvidos deterem ou não a gestão do teto de média e alta complexidade (MAC). Além disso, destacam-se entre os casos analisados: forte empresariamento e benefícios jurídicos-legais relacionados às modalidades institucionais de gestão e prestação de serviços; características mistas (top-down e bottom-up) de implantação da política de regionalização; concepções distintas entre os atores envolvidos a respeito da privatização e terceirização dos serviços de saúde; legislações e normativas capazes de formar grupos e arenas de interesse no financiamento público; provisão de profissionais de saúde por meio da terceirização e da precarização de vínculos; e, ainda, ausência na atualização e lacunas na legislação de políticas de contratualização. Conclui-se que não há como discutir o processo de regionalização sem relacioná-lo à contratualização dos serviços, e sobretudo, às políticas públicas que os envolvem. Nessa perspectiva, a regionalização e a contratualização são, mutuamente, variáveis dependentes. Portanto, para o fortalecimento desse processo, advoga-se a favor da construção de um instrumento contratual de cooperação, que permita, a partir do planejamento territorial, a contratualização de serviços de abrangência microrregional ou regional, com segurança jurídica, e alocação de recursos tripartite, com a participação e apoio de núcleos específicos nas universidades públicas. Advoga-se também, por políticas que minimizem as iniquidades de determinados modelos de gestão, por meio de critérios que fortaleçam, entre outros: a participação popular; as especificidades contratuais regionais; a integralidade da atenção; os mecanismos de regulação e governança; e os espaços de negociação e articulação gestora. Há ainda a necessidade de fortalecer a gestão pública a partir de arranjos e serviços voltados ao público e não ao mercado.
A influência das Novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação em Atenção Primária à Saúde em cursos de Medicina do Paraná
Luciana Osorio Cavalli, Brígida Gimenez Carvalho
Data da defesa: 21/07/2021
Introdução: Mudanças na formação profissional médica vêm sendo discutidas nas últimas décadas, entre elas, a superação do modelo de formação biomédico, fragmentado, com enfoque na especialização e hospitalocêntrico, que motivou várias entidades e instituições nacionais e internacionais a proporem recomendações para um novo modelo de formação, voltado para inserção na Atenção Primária à Saúde (APS). No Brasil, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) de 2001 e 2014, principalmente, propõem a inserção nos primeiros anos e longitudinal na APS para desenvolver as habilidades e competências dos egressos dos cursos de Medicina. Objetivo: Analisar a formação para a APS, dos cursos de Medicina, no estado do Paraná, relacionado às últimas DCNs. Metodologia: A metodologia utilizada foi um estudo desenvolvido em três fases: 1) Scoping Review para verificar o que já havia sido descrito pela literatura sobre o assunto; 2) Exploratório e descritivo – levantamento das escolas e das grades curriculares, avaliando-as de acordo com a diretriz curricular; 3) Qualitativo – Entrevista com coordenadores de cursos para compreender como foi construído e está sendo implementado o projeto político-pedagógico (PPP). Os dados foram analisados subsidiados pelo referencial teórico de Bourdieu. Resultados: Os resultados foram apresentados em formato de três artigos científicos: 1) A Formação Médica na APS: Uma Revisão de Literatura 2) A Formação Médica na APS no Paraná; 3) A Formação Médica para a APS em quatro escolas do Paraná: a percepção dos coordenadores de curso. O primeiro artigo tratou de uma scoping review e identificou uma maioria de artigos publicados a partir de 2015, sendo que, as DCNs aparecem como principal motivador para mudança curricular, com 100% das escolas apresentando inserção precoce, 76,5% no primeiro semestre, 47,1% ao longo de oito semestres e com objetivo de aprendizado que vai ao encontro das diretrizes. Porém, a falta de estrutura das unidades, da formação dos preceptores e convênios precários apareceram como aspectos negativos. O segundo artigo retrata a análise dos PPPs de dez cursos de Medicina do Paraná, apresenta que 100% dos currículos analisados referem inserção na APS, sendo 80% por oito semestres, 100% inserem durante o internato, porém em 30% não acontece pelo período preconizado pelas DCNs; os objetivos da inserção, no entanto, obedecem às DCNs. O terceiro artigo apresenta que em 100% dos PPPs analisados também há a inserção na APS ainda no primeiro ano, sendo que em 75% deles por oito semestres, porém verifica-se na entrevista que em 50% destas o tempo de inserção prática é inferior ao descrito no PPP. Conclusão: Percebe-se, nos artigos brasileiros estudados e nos PPPs avaliados, que a formação médica na graduação atende ao preconizado pelas DCNs de 2014, pelos autores e pelas experiências internacionais. Verificam-se avanços importantes em relação ao ensino para a APS nos cursos estudados em relação à adequação ao preconizado nas diretrizes, mas há algumas divergências entre o que aparece no PPPs dos cursos e a inserção dos estudantes em estágios práticos. Reforça-se a importância da valorização desses espaços para os docentes e discentes.
A efetivação dos atributos da atenção primária à saúde: uma análise dos dados do programa nacional de melhoria do acesso e da qualidade da atenção básica e sua relação com mortalidade infantil no Brasil.
Marla Fabiula de Barros Hatisuka, Marcos Aparecido Sarria Cabrera
Data da defesa: 20/07/2021
Objetivo: Analisar a relação entre a efetivação da Atenção Primária à Saúde, na perspectiva do usuário, e a classificação de desempenho das equipes de saúde, no Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) com a Taxa de Mortalidade Infantil (TMI). Método: Trata-se de uma pesquisa avaliativa, transversal e de abordagem quantitativa. A população do estudo foi composta por usuários que participaram do 3º ciclo do PMAQ e que responderam ao Módulo III – Entrevista na Unidade de Saúde com o Usuário. Também, foram analisados os dados da classificação de desempenho das unidades de saúde que participaram do programa. Para a análise da TMI, a população do estudo foram os óbitos de menores de um ano e o total de nascidos vivos dos anos de 2015 a 2017. Para a análise dos atributos essenciais da Atenção Básica (AB), foi realizada a correspondência entre as questões contidas no Módulo III, com as definições dos atributos essenciais definidos pela pesquisadora Bárbara Starfield (2002). Para a análise de certificação, as unidades, classificadas acima de boa, foram agrupadas em uma única variável renomeada como “boa classificação de desempenho”. Para verificar a associação entre as porcentagens de unidades com boa classificação de desempenho e a TMI, foi realizado o teste de coeficiente de correlação de Pearson, assim também foram realizadas análises de similaridade entre as variáveis estudadas e os Estados da Federação. Para verificar a diferença nas médias dos atributos essenciais, segundo o porte populacional, foi realizado o teste de ANOVA de uma via e, para verificar quais grupos diferiram entre si, foi utilizado o teste de post-hoc de Tukey. Também foi utilizado o teste de coeficiente de correlação de Pearson,sendo adotado nível de significância de 5%, para verificar a relação entre a TMI e as médias dos atributos. Resultados: Existe correlação negativa de intensidade moderada (-0,534) e significante (p=0,005) entre a certificação das equipes e a TMI. Na análise de similaridade, obteve-se a formação de quatro grupos, sendo o grupo, com as menores porcentagens de unidades com boa classificação de desempenho e maior média da TMI, composto por cinco Estados, todos da região Norte. A análise da diferença de médias demonstrou que existem diferenças no alcance dos atributos essenciais, nos diferentes portes populacionais, na percepção de seus usuários, principalmente nos atributos de primeiro contato e longitudinalidade. Também revela que existe relação negativa entre a TMI e o alcance dos atributos, com resultado mais expressivo entre o atributo de primeiro contato e as metrópoles. Conclusões:Existe relação entre a certificação da equipe de saúde com a TMI, assim como existem diferenças nos alcances dos atributos essenciais da AB, na percepção dos usuários, de acordo com o porte populacional. São grandes os desafios, para que se consiga atingir a efetivação da qualidade da AB no Brasil, sobretudo no contexto político neoliberal com redução dos gastos públicos, principalmente nas políticas sociais.