CONSÓRCIOS PÚBLICOS INTERMUNICIPAIS DE SAÚDE E CONTROLE EXTERNO: ANÁLISE DA ATUAÇÃO NO PARANÁ
Tese de doutorado
Visualizar PDFResumo
A gestão do sistema de saúde descentralizado implica na transferência do poder decisório das esferas federal e estadual para os municípios. As Leis Orgânicas da Saúde apontam os Consórcios Públicos Intermunicipais de Saúde (CPIS) como estratégia frente aos limites da municipalização. A Lei Federal nº 11.107/2005 instituiu um novo regime jurídico aos consórcios públicos, configurando-os como instrumentos de cooperação federativa dotados de personalidade jurídica, capazes de contrair obrigações e exercer a gestão de serviços públicos de forma compartilhada. Esse novo paradigma institucional no espaço interfederativo impõe desafios significativos aos órgãos de controle externo, como o Ministério Público e os Tribunais de Contas, os quais precisam ajustar suas práticas fiscalizatórias à complexidade da ação consorciada. Esta pesquisa inova ao analisar as ações dos órgãos de fiscalização e controle externo e suas implicações na gestão dos arranjos consorciados. O estudo adotou uma abordagem qualitativa, de natureza exploratória, realizado entre 2022 e 2023. Foram utilizadas técnicas de análise documental e entrevistas com sete atores estratégicos: dois dirigentes e dois controladores internos de CPIS, dois promotores de justiça do Ministério Público do Paraná (MP-PR) e um técnico do Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR). O estudo ocorreu no estado do Paraná, que conta com 22 regiões de saúde nas quais atuam um ou mais CPIS. A análise documental foi realizada sobre 52 documentos (40 do MP-PR e 12 do TCE-PR), que incluiu a metodologia de análise preliminar conforme Cellard (2008), considerando autoria, autenticidade, natureza, conceitos-chave, contexto e lógica interna, em seguida, aplicou-se a análise de conteúdo segundo Bardin (2009). O conteúdo das entrevistas foi analisado seguindo a abordagem de análise de discurso proposta por Martins e Bicudo (2005), com identificação de unidades de significado e posterior articulação em categorias analíticas. A combinação das categorias documentais e discursivas permitiu construir um quadro comparativo, viabilizando o mapeamento da atuação dos órgãos de fiscalização e controle externo sobre os CPIS. A análise documental evidenciou que o TCE-PR concentrou sua atuação em temas relacionados à fiscalização e transparência, enquanto o MP-PR demonstrou ênfase na tutela de direitos individuais. Os resultados da análise combinada apontam que as ações dessas instituições vêm contribuindo para a padronização de procedimentos e o aprimoramento da gestão consorciada, porém, em alguns momentos essas ações ocorrem em um contexto de tensão entre autonomia local e exigência de accountability, em que a governança dos CPIS é atravessada por interações complexas entre gestores e os órgãos de controle. Verificou-se que essa atuação assume caráter bidimensional, ora marcado por um eixo punitivo, centrado na responsabilização e correção de irregularidades, ora por um eixo orientativo, voltado à indução de melhorias na gestão e à consolidação de práticas mais transparentes. Identificou-se também um certo confundimento institucional quanto ao papel e ao regime jurídico dos CPIS, o que contribui para explicar a origem e a persistência das tensões nas relações entre consórcios e órgãos de controle. Com base nessa análise, observa-se que a governança consorciada demanda articulação institucional, clareza normativa e práticas de gestão compartilhada, nas quais o diálogo, a corresponsabilidade e a transparência se tornam essenciais. Os referenciais do federalismo cooperativo e do neo-institucionalismo histórico permitiram compreender os condicionantes institucionais que moldam a ação dos CPIS e dos órgãos de controle, evidenciando padrões de continuidade e mudança, bem como os efeitos da atuação fiscalizatória na configuração das regras e na condução da política pública em saúde. Conclui-se que a tese alcançou seu objetivo ao demonstrar como a atuação dos órgãos de controle externo tem implicado diretamente na reorganização da gestão consorciada, influenciando seus aspectos operacionais, jurídicos e institucionais. A pesquisa reforça o papel estratégico dos CPIS como instrumentos de cooperação federativa e de fortalecimento da gestão regionalizada em saúde, ao mesmo tempo que aponta a necessidade de aprimoramento das práticas institucionais dos órgãos de controle e de sua maior aproximação com os consórcios, promovendo uma governança pública mais integrada, responsável e eficiente.