A relação público-privado para a atenção de média complexidade em uma região de saúde
Dissertação de mestrado
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O processo de municipalização dos serviços de saúde delegou ao ente municipal a responsabilidade sobre o sistema de saúde de seu território, principalmente quanto à coordenação da Atenção Básica. Ocorre que, para garantir a integralidade da atenção à saúde, princípio e diretriz estruturante do SUS, este ente também assumiu os serviços de Média Complexidade (MC), e por consequência, a relação com o prestador privado complementar ao sistema, constituindo, portanto, a relação público-privado deste nível de atenção. Neste contexto, especialmente em municípios de pequeno porte (MPP), esta relação ocorre, sobretudo para a compra de consultas especializadas, procedimentos hospitalares diagnósticos, clínicos e cirúrgicos, por meio de relação contratual com o setor privado complementar, ainda que o serviço esteja localizado em outro município ou sob gestão do Estado. A relação entre os MPP e o serviço privado complementar se constrói em um cenário de descentralização política-administrativa, sendo diretamente influenciada pelos resultados da micro e macro organização das políticas de saúde; das matrizes institucionais sobre o comportamento dos atores sociais e políticos; e pelas práticas clientelistas vigentes nestes espaços. Nesta perspectiva, esta pesquisa propõe-se compreender a relação entre gestores públicos e prestadores do sistema privado complementar para a atenção de MC em uma região de saúde de municípios de pequeno porte (MPP). Trata-se de um estudo de caso de natureza qualitativa, realizada nos municípios da região de Ivaiporã (22ª Regional de Saúde do Paraná), entre o período de dezembro de 2016 a fevereiro de 2017, utilizando entrevistas por meio de roteiro semiestruturado. Os sujeitos da pesquisa foram os gestores municipais, prestadores de serviços, membros gestores da regional de saúde, consórcio intermunicipal de saúde, e apoiador do COSEMS. A análise dos resultados se deu em duas etapas, a primeira por meio de análise documental, e na segunda as entrevistas foram submetidas à técnica de análise do discurso proposta por Martins e Bicudo (2003). A análise possibilitou a caracterização sócio assistencial da região, e a construção de quatro categorias: demanda; financiamento; contratos; gestão e planejamento de serviços. Os resultados apontam que os fatores identificados nas categorias de análise referentes à demanda e ao financiamento dos serviços de MC, permitem e favorecem a relação; enquanto as características observadas nas categorias de contrato e gestão, as estabelecem e as mantém. Estes fatores estão relacionados à organização das políticas de saúde e das políticas institucionais. Destacam-se, entre outros aspectos, a influência da formação médica na demanda de serviços de MC e o excesso de intervenções diagnósticas, além de práticas de reservas de mercado para a assistência médica na região. Quanto ao financiamento os municípios custeiam os serviços de MC com recursos próprios, minimizando os investimentos na Atenção Básica. Observa-se, também, que os contratos são executados em desencontro às normas operacionais do sistema. A relação público-privado nesta região atravessa e afeta o processo de regionalização desses municípios; é marcada por forte interdependência entre gestores públicos e privados; assimetrias de poder; interesses ao acesso; e benefícios à gestão municipal, a depender da tipificação de contrato entre o município - exclusivo ou não exclusivo, com o prestador. Entre eles, vantagens, práticas clientelistas, hierarquizadas, e de maximização de resultados de atores envolvidos, são possibilitadas pela naturalização destas ações nos espaços em que ocorrem. Conclui-se que a relação estabelecida fere o comando único do sistema, possibilita práticas clientelistas, e é reforçada pelo incipiente processo de planejamento e de medidas regulatórias pela gestão pública municipal e estadual; além de apresentar a fragilidade do papel do Estado na região, bem como, das instâncias colegiadas. Os resultados demonstram a necessidade de investir em ações que favoreçam a governança e o processo de regionalização, a capacidade regulatória de governos locais, e o controle social nesta região. Esta relação deve ser aperfeiçoada por tecnologias de gestão, e modalidades de contratos que possibilitem a integralidade das ações e a autonomia dos municípios perante os prestadores.