O TRABALHO MULTIPROFISSIONAL NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE E A GESTÃO MUNICIPAL
Larissa Cristina Caruzo, Brigida Gimenez Carvalho
Data da defesa: 03/07/2024
A produção sobre o trabalho multiprofissional na saúde teve início nas décadas de 1950 e 1960, e apontou a necessidade de uma remodelação dos processos de trabalho, a redefinição da finalidade e a busca por novas tecnologias de atuação. No Brasil, é possível reconhecer essa proposta nos ideais da Reforma Sanitária, na década de 1970, com vistas a um sistema de saúde universal e igualitário, que foi conquistado em 1988, com promulgação da Constituição Federal (CF) e a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). A CF orientou também os moldes do atual federalismo brasileiro, com autonomia, principalmente política e administrativa, e em certa medida, financeira dos três entes: União, Estados e Municípios. A descentralização da gestão, também chamada de municipalização, incumbiu os municípios da organização e prestação de serviços de saúde local, mas manteve o poder indutor das políticas do ente federal. As gestões municipais ordenam o cuidado da Atenção Primária à Saúde (APS) por meio das equipes de Estratégia Saúde da Família (ESF), e em 2008 ganharam reforço das equipes dos Núcleos de Apoio a Saúde da Família (NASF), para aumento das estratégias de cuidado e trabalho colaborativo multiprofissional. O trabalho colaborativo pode ser executado dentro de um espectro contingencial com variações das atividades multiprofissionais. Este estudo buscou analisar os aspectos da gestão municipal que influenciam a atuação e limitações do trabalho multiprofissional na APS. Realizou-se um estudo qualitativo em nove municípios da macrorregião norte do Paraná. Os dados foram obtidos por meio de entrevistas, a partir de um roteiro semiestruturado, aos gestores municipais de saúde e coordenadores de APS, no período de julho a agosto de 2022, associado ao levantamento de dados secundários extraídos por meio do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS), sobre: equipes multiprofissionais, cadastro de profissionais na APS, tipo de vínculo, categorias profissionais e financiamento da APS. Os resultados caracterizaram administrativamente os municípios e os gestores, a atuação das equipes multiprofissionais e as limitações do trabalho multiprofissional. Predomínio de municípios de pequeno porte, e de municípios com equipes multiprofissionais cadastradas, modalidades de contratação mais robustas em municípios de grande porte, bem como maior quantitativo de profissionais associada a presença de profissionais da residência multiprofissional. Elevados gastos em APS nos municípios de pequeno porte, com ausência de equipes multiprofissionais. Evidenciou-se que os municípios de maior porte são os que apresentam maiores características do trabalho multiprofissional. Os altos gastos em APS, não se mostrou fator determinante para a multiprofissionalidade. A formação acadêmica dos atores, na área da saúde e com cursos de pós-graduação também contribui para a presença de organizações do trabalho na lógica multiprofissional. Os entrevistados apontam como fatores limitantes: a formação acadêmica, o baixo comprometimento dos profissionais com o trabalho, a dificuldade de compreensão do modelo matricial, por parte de todos os envolvidos (gestores, coordenadores profissionais da APS e população) e a visão hegemônica do cuidado. Observou-se que, esses atores podem não se reconhecer como parte essencial para concretização do trabalho multiprofissional, considerando que suas percepções sobre os impasses da multiprofissionalidade são direcionadas de forma mais frequente para outros indivíduos e aspectos, sem qualquer menção a possíveis fragilidades de gerência e pouco citaram estratégias de melhoria para efetivação do trabalho multiprofissional.
POLÍTICA DE FINANCIAMENTO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE E SUAS IMPLICAÇÕES NOS PRINCÍPIOS DOUTRINÁRIOS DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
Ana Paula Bazzo Romagnolli, Fernanda de Freitas Mendonça
Data da defesa: 17/05/2024
O Sistema Único de Saúde (SUS) representa o sistema público de saúde brasileiro com a missão de proporcionar acesso universal, integral e com equidade à saúde para todos os cidadãos, estabelecida através de seus princípios doutrinários. No entanto, o financiamento da Atenção Primária à Saúde (APS) tem enfrentado obstáculos. A introdução do Programa Previne Brasil (PPB) em 2019, juntamente a alterações políticas como a Emenda Constitucional 95 e a revisão do Programa Nacional da Atenção Básica (PNAB) em 2017, levanta questões sobre o impacto dessas medidas nos princípios do SUS. Diante disso, questiona-se o quanto a nova política de financiamento da APS tenciona para fortalecer ou não os princípios do SUS. A pesquisa teve como objetivo analisar a evolução normativa do PPB na gestão da Atenção Primária e suas implicações nos princípios doutrinários do SUS. Trata-se de um estudo qualitativo que utilizou a análise das portarias publicadas entre 2019 e 2022 como fonte de dados. Os documentos foram obtidos por meio do Sistema Saúde Legis com o assunto Previne Brasil. Outra estratégia de busca foi conduzida através da análise das próprias portarias, identificando aquelas que faziam referência ao PPB em seu conteúdo, mesmo que não tivessem sido inicialmente capturadas pelo Saúde Legis. Os resultados apontaram que o PPB passou por ajustes desde sua implementação, evidenciados por 30 portarias entre 2019 e 2022. O eixo da capitação ponderada concentrou o maior número de portarias, assim como o ano de 2020. No que se refere ao conteúdo das portarias, estas abordam desde a definição de alguns regramentos, instituição de incentivos e definições de metas, porém ganham destaque o volume de atos que estabelecem a prorrogação das normas sobre o cadastramento e o atingimento dos indicadores de desempenho. Posto isso, verificou-se que as alterações produzidas por essa nova política de financiamento apresentam aspectos que podem tanto fortalecer quanto fragilizar os princípios do SUS. Por mais que algumas das medidas do PPB tenham coerência com os princípios do SUS, não se pode negar que a densidade dos elementos que prejudicam a implementação dos princípios do SUS são muito maiores e, portanto, no conjunto da obra seria arriscado afirmar que esse programa iria ofertar benefícios para APS.
REPERCUSSÕES DAS POLÍTICAS FEDERAIS NO TRABALHO DA GESTÃO DA APS EM MUNICÍPIOS DA MACRORREGIÃO NORTE DO PARANÁ
VIVIANE GRANADO BARREIRA DA SILVA, Brígida Gimenez Carvalho
Data da defesa: 19/04/2024
A Constituição Federal e as normativas do Ministério da Saúde instituíram mecanismos para descentralizar as políticas públicas de saúde no Sistema Único de Saúde (SUS), atribuindo responsabilidades para cada esfera de governo. Nos últimos anos ocorreram mudanças importantes Atenção Primária à Saúde (APS), porta de entrada preferencial para a atenção à saúde do SUS, com a publicação da Política Nacional da Atenção Básica (PNAB) 2017 e do Programa Previne Brasil (PPB). Este estudo teve como objetivo analisar as alterações no trabalho das equipes gestoras da saúde decorrentes da implantação das políticas públicas para a APS, a partir de 2017, em nove municípios da macrorregião norte do Paraná. Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, e integra uma pesquisa maior denominada “Mudanças nas regras de transferência de recursos federais do Sistema Único de Saúde: implicações e desafios para o financiamento e a organização da Atenção Primária à Saúde no Brasil”. A seleção de nove municípios se deu pela análise de indicadores de financiamento da saúde, visando contemplar na seleção a diversidade de municípios da macrorregião norte do Paraná. As entrevistas, ocorridas entre junho a setembro de 2022, foram realizadas presencialmente, nas secretarias de saúde dos municípios, a partir de um roteiro semiestruturado, tendo como participantes os nove gestores municipais de saúde e nove coordenadores da APS. A análise das entrevistas seguiu a metodologia de análise de discurso. Os resultados foram organizados nas seguintes categorias: características das equipes gestoras; apropriação e posicionamento dos gestores sobre as políticas da APS; mudanças ocorridas no processo de trabalho e desafios encontrados frente à essas mudanças. A maior parte dos municípios da pesquisa são de pequeno porte e as equipes gestoras compostas pelos secretários de saúde e coordenadores da atenção básica, tendo o predomínio de mulheres, na faixa etária de 36 a 51 anos. Verificou-se que sete gestores tinham ensino superior completo, cinco deles com formação na área da saúde e seis possuíam até três anos de atuação na área de gestão como secretário de saúde, apenas um gestor referiu não ter experiência anterior na saúde. A coordenação da APS é composta por profissionais com ensino superior em saúde, a maioria enfermeiras, sendo oito pós-graduadas, a maioria em saúde coletiva, sete possuíam mais de quatro anos de atuação na coordenação da APS. Foram identificados diferentes níveis de apropriação dos entrevistados a respeito das políticas da APS a partir de 2017, evidenciando distintos entendimentos e a maioria demonstrou posicionamento favorável às novas políticas. Foram relatadas mudanças nos processos de trabalho em saúde, para o cadastramento da população no sistema e-SUS e para o monitoramento dos indicadores do Previne Brasil. A implantação do prontuário eletrônico foi à mudança mais impactante, e menos da metade dos municípios pesquisados optaram por adotar o sistema público (e-SUS), principalmente devido à falta de suporte técnico do Ministério da Saúde e da Secretaria Estadual de Saúde. Também se constituem em desafios: funcionários mais antigos com dificuldades em lidar com sistemas eletrônicos e municípios com áreas rurais muito extensas e sem acesso à internet. O referencial teórico utilizado possibilitou a análise das repercussões da implantação de políticas públicas, como a PNAB e o PPB, no trabalho das equipes gestoras, considerando como as responsabilidades estão sendo compartilhadas, como a cooperação entre os entes está sendo promovida ou desafiada, bem como a falta de suporte técnico pode criar obstáculos institucionais.
DOR MUSCULOESQUELÉTICA CRÔNICA EM USUÁRIOS DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE DE SEIS MUNICÍPIOS DE PEQUENO PORTE DO ESTADO DO PARANÁ: CARACTERIZAÇÃO, FATORES ASSOCIADOS E TRATAMENTO
LETÍCIA TAYNARA TSUZUKI, Mathias Roberto Loch, Paulo Henrique Araújo Guerra
Data da defesa: 28/02/2024
A dor musculoesquelética crônica é caracterizada como uma dor persistente que afeta diretamente o(s) osso(s), articulação(ões), músculo(s) ou tecido(s) mole(s) relacionado(s). O objetivo deste estudo foi verificar a prevalência de dor musculoesquelética crônica em usuários da Atenção Primária à Saúde (APS) em municípios de pequeno porte do estado do Paraná e seus fatores associados. Foi realizado um estudo transversal, de amostragem intencional, no qual foram realizadas 1878 entrevistas com usuários com ≥ 18 anos, da APS de seis municípios com menos de 20 mil habitantes no Paraná. Para identificar os usuários com dor musculoesquelética crônica, foi realizada a pergunta: “Você sente algum tipo de dor muscular há seis meses ou mais?”, caso a resposta fosse positiva, havia questões para caracterização da dor. Variáveis sociodemográficas e de saúde foram consideradas variáveis independentes. Para a análise descritiva, usou-se a frequência absoluta e relativa, razões de prevalência (RP) brutas e ajustadas foram obtidas mediante regressão de Poisson com variância robusta. A prevalência de dor musculoesquelética crônica foi de 55,8%. Considerando as análises ajustadas, observou-se maior prevalência entre as mulheres (RP=1,30; IC=1,17-1,43), entre os sujeitos com 25 a 39 anos (RP=1,25; IC=1,01-1,55), com 40 a 59 anos (RP=1,80; IC=1,46-2,21) e com mais de 60 anos (RP=2,12; IC=1,69-2,66) em comparação aos de 18 e 24 anos, em usuários com ensino superior e especialização (RP=0,72; IC=0,61-0,84) a razão de prevalência foi menor, em comparação aos usuários com até o nível fundamental incompleto. Ademais, observou-se associação com autopercepção negativa de saúde (RP=1,51; IC=1,38-1,64), diagnóstico de hipertensão (RP=1,16; IC=1,06-1,26), diabetes (RP=1,19; IC=1,08-1,30), hipercolesterolemia (RP=1,10; IC=1,01-1,21), doenças reumáticas (RP=1,41; IC=1,31-1,53) e depressão (RP=1,28; IC=1,18-1,39). Apresentam alta prevalência de dor moderada ou intensa (84,9%) e a dor interferia de maneira moderada ou extrema nas atividades diárias de 72,7%. A região lombar foi a apontada como sendo o local mais frequente de dor com maior prevalência (22,5%). Os resultados indicam alta prevalência de dor crônica nos usuários da APS dos municípios de pequeno porte investigados, portanto, é necessário a promoção de ações e políticas públicas voltadas as especificidades desses municípios
PREVALÊNCIA DO USO DE PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES POR USUÁRIOS DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE DE SEIS MUNICÍPIOS DE PEQUENO PORTE DO ESTADO DO PARANÁ
GRASIELE SASTRE GRÉGIO PREVALÊNCIA, Mathias Roberto Loch, Milena Zanoni da Silva
Data da defesa: 28/02/2024
Introdução: As Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) contemplam uma variedade de recursos terapêuticos e racionalidades médicas não convencionais. Essas práticas integram os serviços ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e têm na atenção primária à saúde o local preferencial para sua inserção. Objetivo: Investigar a prevalência e identificar os fatores associados ao uso das PICS entre usuários da atenção primária à saúde de municípios de pequeno porte do estado do Paraná. Métodos: Estudo transversal descritivo e quantitativo, com dados coletados por entrevistadores previamente treinados. Foram convidados a responder o questionário pessoas que aguardavam por atendimento em unidades de atenção primária à saúde dos municípios selecionados. Consideraram-se três variáveis dependentes: uso geral das PICS, uso de plantas medicinais/fitoterapia e uso de PICS exceto plantas medicinais/fitoterapia. Fatores sociodemográficos, comportamentais e de saúde foram as variáveis independentes. Realizou-se a análise descritiva dos dados, e verificaram-se as associações por meio do teste Qui-quadrado de Pearson, com significância estatística 5% (p-valor < 0,05) e regressão de Poisson com variância robusta, IC 95% e p-valor < 0,05. Resultados: A amostra foi composta por 1.878 pessoas. A prevalência de uso geral das PICS foi de 51,2%; de plantas medicinais/fitoterapia, 45,7%; e de PICS exceto plantas medicinais/fitoterapia, 14,7%. Destas, as mais prevalentes foram meditação (6,2%) e auriculoterapia (2,9%). A análise ajustada para o uso geral das PICS demonstrou maior prevalência entre pessoas do sexo feminino (RPa= 1,20, IC95%: 1,07-1,34), com 40 anos ou mais (40 a 59 anos, RPa= 1,35, IC95%: 1,11-1,65; ≥ 60 anos, RPa= 1,50, IC95%: 1,20-1,88), brancas ou amarelas (RPa= 1,20, IC95%: 1,08-1,33), com ensino superior completo (Rpa= 1,17, IC95%: 1,02-1,35), que praticavam atividade física no tempo livre (Rpa= 1,27, IC95%: 1,17-1,38), que realizaram consulta com profissional de saúde (não médico) (Rpa= 1,26, IC95%: 1,12-1,41), que receberam visita domiciliar (Rpa= 1,18, IC95%: 1,07-1,29), com diagnóstico de neoplasia (Rpa= 1,21, IC95%: 1,02-1,44) e presença de dor crônica musculoesquelética (Rpa= 1,25, IC95%: 1,13-1,38). Em relação ao uso de plantas medicinais/fitoterapia, observaram-se as mesmas associações, exceto para escolaridade. Quanto ao uso de PICS exceto plantas medicinais, houve maior prevalência nas pessoas com 25 anos ou mais (25 a 39 anos RPa= 1,78, IC95%: 1,13-2,81; 40 a 59 anos, RPa= 1,84, IC95%: 1,15-2,96; ≥ 60 anos, RPa= 1,83, IC95%: 1,03-3,25), maiores níveis de escolaridade (médio completo, RPa= 2,03, IC95% 1,45-2,85; superior completo, RPa= 3,70, IC95%: 2,59-5,27), que praticavam atividade física no tempo livre (RPa= 1,44, IC95%: 1,16-1,80) e que realizaram consulta com profissional de saúde (não médico) (RPa= 1,40, IC95%: 1,02-1,91). Conclusão: Os resultados demonstraram que cerca de metade dos usuários investigados referiram uso de pelo menos uma PICS, sendo plantas medicinais/fitoterapia a prática com prevalência bastante superior às demais. O uso das PICS foi maior entre pessoas do sexo feminino, com 40 anos ou mais, com ensino superior completo, que praticavam atividade física no tempo livre, que realizaram consulta com profissional da saúde, que receberam visita domiciliar, que referiram diagnóstico de neoplasia e com dor crônica musculoesquelética.
CUIDADOS PALIATIVOS NA ATENÇÃO BÁSICA: PRODUÇÃO DE UM CORPO CARTOGRÁFICO
EMILLY PENNAS MARCIANO MARQUES, Regina Melchior
Data da defesa: 21/02/2024
Os cuidados paliativos podem ser definidos como um cuidado integral aos indivíduos frente a uma doença grave com ameaça da continuidade da vida, objetivando o alívio do sofrimento biopsicossocial e espiritual para melhora da qualidade de vida do indivíduo e seus familiares. Não estamos falando sobre a possibilidade de cura ou não, mas do cuidado na finitude, considerando a morte como parte da vida. Trata-se da conexão entre a ciência e a humanidade, da integralidade do cuidado sob todas as suas dimensões, centrado no usuário e respeitando sua autonomia. O trabalho em saúde é em fundamento coletivo e os cuidados paliativos colocam em evidência essa característica e apresenta inúmeros desafios. É uma situação delicada, de nossa finitude, que é um tema sensível tanto para os trabalhadores como para os usuários, para que se alcance e promova o apoio e conforto necessário, decompondo o ordinário e compondo-se do singular. Por se tratar de um processo eminentemente longitudinal, os CP guardam estreita relação com a Atenção Básica (AB), que tem como uma de suas características acompanhar seus usuários na horizontalidade de seus cuidados, No entanto, o CP muitas vezes é compreendido como uma especialidade ou uma assistência restrita ao âmbito hospitalar, o que o coloca de certa forma distante da AB ou apenas alvo de ações pontuais. Assim, os usuários em cuidado paliativo frequentemente enfrentam um vazio assistencial, com dificuldades de acesso e de um cuidado realizado em rede. Desta maneira, o objetivo desta pesquisa foi cartografar a produção dos cuidados paliativos na AB e dar visibilidade às possibilidades e barreiras para sua produção. Para isso, recorremos a cartografia como intercessor metodológico, que possibilitou o tracejo de mapas da produção viva do trabalho e do cuidado em seu espaço micropolítico, por meio da estratégia do usuário-guia, que é como um fio condutor nos guiando pela rede de cuidado. A pesquisa aconteceu de dezembro de 2022 à maio de 2023, em uma unidade básica de saúde do município de Londrina. Durante essa cartografia, foi possível observar que o cuidado paliativo está presente, mesmo que não intencionalmente no território e de alguma forma alguns usuários entraram na linha de produção do cuidado da AB. Outros tiveram suporte familiar, especialmente no luto e apesar de algumas ofertas de suporte da Unidade Básica de Saúde, alguns usuários não foram alcançados pelo cuidado da equipe. Nos encontros com os usuários, foi possível observar o quão reconfortante é, a segurança que traz para a família e para o usuário, ter sua rede de cuidados organizada, saber quando e para onde vai se algo acontecer. Sobre o Processo de Trabalho, os trabalhadores enfrentam diversos atravessamentos que endurecem a produção do cuidado enquanto trabalho vivo. Conversas com os trabalhadores nos deram pistas dessa captura e algumas repercussões das forças biopolíticas e mercadológicas que operam em uma lógica de linha de produção no processo de trabalho dos serviços de saúde, que frequentemente resultam em sobrecarga aos trabalhadores que desejam ofertar uma boa assistência, mas não conseguem pois são interceptados pelo modelo hegemônico compartimentalizado do cuidado. Diante disso, nossas conclusões tornam-se provisórias, uma vez que o trabalho em saúde é um processo intensamente relacional e orgânico, mas marcado por apostas e disputas de projetos mais ou menos produtores de vida. Os trabalhadores podem ser dispositivos potentes para disputar outras agendas e modos de cuidado, que problematizam e dão visibilidade às múltiplas possibilidades de arranjos, no entanto, enfrentam diariamente um grande desafio com a falta de recursos, perda de integrantes da equipe por diversos motivos, dificuldade do cuidado compartilhado com outros serviços e pontos da rede e a grande demanda gerencial e territorial, gerando sobrecarga e adoecimento da equipe. É de extremamente importante e urgente que haja espaços que possibilitem a reflexão da prática e das apostas feitas no espaço micropolítico que ocupamos, que sejam investidas forças e recursos financeiros, institucionais, políticos, processuais ou não, sejam eles governamentais ou instituído pelas próprias equipes na disputa de uma AB mais forte.
ORGANIZAÇÃO DA GESTÃO DO TRABALHO NOS MUNICIPIOS E REPERCUSSÕES NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Pricila Felisbino, Brigida Gimenez Carvalho
Data da defesa: 23/02/2024
Com a criação do SUS, o trabalho em saúde ganhou novos desafios e a Gestão do Trabalho maior visibilidade. Visando analisar como está organizada a Gestão do Trabalho nos municípios, quais as estratégias são desenvolvidas na APS, os tipos de vínculos e como isso repercute na atuação dos profissionais, na percepção dos entrevistados e os desafios enfrentados nessa área, realizou-se um estudo qualitativo, por meio de entrevistas com equipes gestoras, em nove municípios da macrorregião norte do Estado do Paraná. Foram entrevistados secretários municipais de saúde e coordenadores da Atenção Primária à Saúde (APS), utilizando-se um roteiro semiestruturado, no período de julho a agosto de 2022. Os resultados foram analisados por meio da análise de discurso, e apresentados em quatro categorias: caracterização dos entrevistados; organização da Gestão do Trabalho, as estratégias desenvolvidas pelos municípios; as modalidades de vínculos trabalhistas adotadas na APS e sua influência na atuação dos profissionais e os desafios da Gestão do Trabalho. Os resultados apontam que quase metade dos gestores (44%) não possuem formação superior ou formação específica na área da saúde. A maioria deles (56%) possui carreira pública municipal e dos nove municípios estudados, apenas dois possuem departamento de gestão do trabalho, sendo eles os de grande porte. A maioria dos municípios utiliza uma ou mais ferramentas de gestão do trabalho como: avaliação de desempenho, Educação Permanente em Saúde (EPS) e Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS). Sobre as formas de admissão dos profissionais, apesar da maioria ser contratado com vínculos estáveis, estatutário e Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), nota-se uma tendência de aumento de vínculos precários, condição esta presente em todos os municípios, por meio de contratações terceirizadas, por pessoa jurídica ou pessoa física e contratos temporários e, a categoria médica é a mais apresenta vínculos precários. Apesar de não ser consenso, o contrato temporário e terceirizado foram citados como vantajosos por diversos motivos como o fato do profissional ser substituído com facilidade pela empresa e não entrar como índice na folha de pagamento. Para os entrevistados há diferença na atuação do profissional dependendo do tipo de vínculo que ele possui. Entre as vantagens estão, os concursados porque criam vínculo e têm motivação profissional e podem assumir cargos de coordenação nos serviços. Entre as desvantagens, após concluir estágio probatório, o profissional altera sua forma de atuação no trabalho. Os contratos temporários foram considerados um problema e os entrevistados reconhecem esta modalidade como de contratação precária uma vez que os profissionais se sentem inseguros pela instabilidade no trabalho. Entre os desafios relacionados à Gestão do Trabalho está a grande rotatividade dos profissionais e o não preenchimento de vagas por concurso público, majoritariamente pelo profissional médico, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que dificulta para que os municípios realizem concursos públicos, além da formação profissional e perfil dos profissionais inadequados para atuarem na APS. Os achados da pesquisa reforçam que muitos são os desafios da Gestão do Trabalho na APS, mesmo que o gestor seja comprometido e que tenha um setor especifico para de Gestão do Trabalho, isso não é suficiente para mudar a situação da gestão dos trabalhadores. O maior desafio se atribui adequar a força de trabalho às exigências do Sistema Único de Saúde (SUS) e a necessidade de superar as barreiras econômicas, políticas, éticas e burocráticas para garantir acesso integral à população usuária do SUS.
NÃO ADESÃO AO USO DE MEDICAMENTOS E INSATISFAÇÃO COM OS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA POR USUÁRIOS DE MEDICAMENTOS PARA DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS: EVIDÊNCIAS DA PESQUISA NACIONAL SOBRE ACESSO, UTILIZAÇÃO E PROMOÇÃO DO USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS (PNAUM)
POLIANA VIEIRA DA SILVA MENOLLI, Edmarlon Girotto
Data da defesa: 10/03/2023
A maneira como o paciente percebe ou julga a sua interação com os produtos e ou serviços de saúde provoca pressão na decisão sobre seguir o tratamento prescrito. Nesse contexto, torna-se importante estudar o quanto a percepção dos pacientes sobre produtos e serviços de saúde tem influenciado a não adesão ao uso de medicamentos no Brasil. Objetivo: Analisar a relação entre insatisfação dos usuários com os serviços de assistência farmacêutica do SUS e a não adesão ao uso de medicamentos por pacientes de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). Métodos: Tese em modelo escandinavo composta por dois estudos transversais com dados da “Pesquisa Nacional Sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos (PNAUM)”. No artigo 1 foram utilizadas informações do banco de dados de medicamentos de uso contínuo do componente populacional da PNAUM para identificar a associação entre a percepção dos pacientes sobre medicamentos para DCNT e a não adesão por regiões do Brasil. A variável dependente foi a não adesão ao tratamento e a percepção do paciente sobre a medicação foi a variável independente. O artigo 2 utilizou dados do componente de avaliação de serviços da PNAUM para analisar a associação entre insatisfação dos usuários com os serviços de Assistência Farmacêutica (AF) e a não adesão ao uso de medicamentos por pacientes de DCNT. A variável dependente foi construída por meio de três medidas (não mutuamente exclusivas): não adesão por falta do medicamento, não adesão nos últimos 7 dias e não adesão declarada. A variável independente foi a insatisfação com as AF obtida por meio da teoria de resposta ao item. A regressão logística foi realizada para calcular os odds ratios (ORs) brutos e ajustados para os dois artigos por meio dos comandos para amostras complexas. Resultados: No artigo 1 a não adesão foi observada em 6,6% dos 16.491 medicamentos estudados. Na análise ajustada, percepção de eficácia de medicamentos considerada regular ou ruim (OR 3,025; IC 95% 1,672-5,473), percepção que causou desconforto (OR 2,731; IC 95% 1,464-5,092) e medicamentos usados por menos de seis meses (OR 1,557; IC 95% 1,089-2,227) tiveram maiores chances de não adesão no Brasil (todas as regiões). No artigo 2 foram avaliadas entrevistas de 2.248 usuários da APS em tratamento para DCNT e que usaram as farmácias do SUS. A não adesão por falta do medicamento foi de 31,6%, a não adesão nos últimos 7 dias de 11,5% e a não adesão declarada de 13,0% dos entrevistados. Na análise ajustada a insatisfação com a dimensão da AF Disponibilidade esteve associada à não adesão por falta (OR 1,872; IC 95% 1,477- 2,373) e não adesão nos últimos 7 dias (OR 1,637; IC 95% 1,172-2,286) e a dimensão Adequação à não adesão declarada (OR 3,270; IC 95% 2,308-4,634). Conclusão: A insatisfação com os serviços de AF e a percepção de ineficácia, insegurança e tempo de uso dos medicamentos são fatores-chave associados à não adesão aos tratamentos farmacológicos de DCNT.
Planejamento e organização da gestão da Atenção Primária à Saúde em municípios de pequeno porte: uma proposição de parâmetros essenciais
Karen Patricia Wilke Ferreira Rocha, Brígida Gimenez Carvalho
Data da defesa: 19/07/2022
A crescente demanda da sociedade por serviços públicos de qualidade e a gradativa complexidade alcançada pela gestão pública, tornam iminentes o planejamento e organização das secretarias municipais de saúde, em busca da qualificação de seus processos de trabalho. A organização é essencial para dar visibilidade ao que é prioritário, de modo a ser tratado de forma efetiva, com base nos recursos disponíveis, tendo como alvo os resultados que se pretende alcançar. O objetivo deste trabalho é avaliar a organização da estrutura e dos processos de planejamento e gestão da Atenção Primária em secretarias municipais de saúde de municípios de pequeno porte. Trata-se de uma pesquisa sequencial, realizada em duas fases. A primeira, de abordagem quantitativa, para caracterização da população do estudo e análise comparativa dos municípios da macrorregião Norte do Paraná, considerando o porte populacional e os resultados financeiros em saúde. Os ensaios comparativos evidenciaram a ausência de padrão em alguns resultados financeiros, frente ao porte populacional. Ao contrário do que se acreditava, o aumento do porte populacional nem sempre estava relacionado à melhora dos resultados financeiros, e muitos municípios de pequeno porte apresentavam excelentes resultados. Tais achados deram origem à definição dos casos para a segunda fase da pesquisa, de abordagem qualitativa, realizada entre os meses de julho e novembro de 2021. Foram pesquisados oito municípios de pequeno porte por meio de entrevistas às equipes gestoras, análises documentais e aplicação de uma matriz de avaliação e julgamento (MAJ), validada previamente por um grupo de experts. Para análise dos resultados do perfil organizacional dos municípios selecionados, utilizou-se como referencial os parâmetros da matriz, associados à tríade de qualidade de Avedis Donabedian. A análise dos casos permitiu que fossem identificados parâmetros associados a bons resultados, e evidenciou possíveis consequências da ausência de organização na estrutura e nos processos da gestão da Atenção Primária em Saúde. Conclui-se, durante o estudo, que a MAJ validada não era adequada à realidade dos pequenos municípios, que em sua maioria não possuíam estrutura e dos processos de trabalho sistematizados, com vistas à qualidade. Com base na análise dos resultados, foi elaborado um rol de parâmetros, vistos como essenciais, para a área de planejamento e gestão, a fim de orientar secretarias municipais de saúde de pequenos municípios em seu processo de organização da Atenção Primária à Saúde. Quanto à avaliação da organização municipal, o estudo concluiu que ações voltadas à qualificação da estrutura e dos processos de planejamento e gestão, são determinantes para o alcance de melhores resultados e maior aproveitamento dos recursos disponíveis. Considerando o modelo de financiamento vigente para o custeio das ações na APS, que condiciona o valor do repasse de recursos financeiros aos indicadores que mensuram o desempenho das equipes, a organização dos processos de gestão se torna ainda mais relevantes. Os parâmetros essenciais propostos aqui podem contribuir para a sistematização de ações permanentes, e importante, para o alcance de resultados satisfatórios e para a qualidade na atenção à saúde.
Financiamento da APS: o desafio da gestão municipal
Luana Carla Tironi de Freitas Giacometti, Fernanda de Freitas Mendonça
Data da defesa: 18/07/2022
O financiamento em saúde sempre foi um desafio para a gestão no SUS. Nos últimos anos ocorreram algumas mudanças, como a aprovação da Emenda Constitucional 95, conhecida como a PEC do Teto dos gastos, e a mudança do financiamento da APS, com a aprovação e implantação do Programa Previne Brasil. A pesquisa teve como objetivo analisar o processo de gestão orçamentária da APS em municípios da macrorregião norte do Paraná. A macrorregião norte do Paraná, conta com uma população estimada de 1.819.461 habitantes distribuídos em 97 municípios. A região é caracterizada por municípios de pequeno, médio e grande porte populacional. O estudo ocorreu nos anos de 2020, 2021 e 2022, em dois momentos, sendo o primeiro no formato quantitativo e o segundo de forma qualitativa. Na primeira etapa, com o objetivo de investigar a evolução da composição tripartite para o financiamento dos serviços de saúde, realizou-se um estudo de natureza quantitativa, a partir de dados secundários, referentes ao financiamento dos municípios da macrorregião norte do Paraná. Para a escolha dos locais de coleta no campo da pesquisa foi construída uma matriz de classificação dos municípios quanto à sua condição sobre o financiamento e a organização da APS. Na segunda etapa, foram realizadas entrevistas a partir de um roteiro semiestruturado, tendo como sujeitos os contadores e gestores de saúde dos municípios elegíveis pela matriz de classificação. Para análise das entrevistas utilizou-se o método de análise de discurso, preconizado por Martins e Bicudo (2005), com o objetivo de analisar a organização do trabalho, planejamento em saúde e execução orçamentária referente aos investimentos para o custeio da APS, e as possíveis repercussões das recentes mudanças do financiamento, de forma qualitativa. Os resultados da pesquisa mostraram que houve aumento da participação no financiamento pelos municípios, principalmente os de pequeno porte. Mesmo com o aumento de recursos municipais investidos em saúde, os municípios menores apresentam maior dependência dos recursos de transferências constitucionais. Em relação à organização do trabalho, planejamento em saúde e execução orçamentária referente aos investimentos para o custeio da atenção básica, a maioria dos municípios não apresenta uma equipe formal de construção de planejamento e orçamento; a construção do orçamento tende a ser mais coerente com o plano municipal de saúde quando existe uma equipe constituída, mesmo que informalmente; e a execução orçamentária também está intimamente relacionada com a maior capacidade técnica dessa equipe. Os municípios menores, mostraram-se mais frágeis no que se refere à constituição de equipes mais qualificadas. Sobre a percepção dos entrevistados sobre as mudanças nas regras de financiamento e sua possível implicação na gestão orçamentária, os municípios de grande porte reconhecem que houve diminuição dos recursos financeiros, principalmente os que possuem baixa cobertura da APS. Observa-se que devido a pesquisa ter sido realizada em período pandêmico, houve repasse de recursos extraordinários para Covid, o que pode ter influenciado na percepção dos entrevistados sobre a diminuição dos recursos no âmbito da APS, principalmente em municípios menores. O financiamento da APS e os valores investidos não acompanharam as necessidades de saúde apresentados no planejamento em saúde. A insegurança em ter a garantia de recebimento pela União, a ausência dos Estados em incentivos financeiros no âmbito da APS e o medo de executar os recursos vinculados erroneamente, faz com que os municípios executem os gastos prioritariamente com recursos próprios.