O CUIDADO ÀS CRIANÇAS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL EM REGIÃO DE SAÚDE DO ESTADO DO PARANÁ
Tese de doutorado
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A violência sexual contra crianças é um fenômeno histórico, cultural e de causas multifatoriais enraizado nas sociedades, que se expressa através do abuso e exploração sexual, demandando cuidados integrais e sistematizados. Este trabalho tem como objetivo geral analisar o cuidado às crianças vítimas de violência sexual em região de saúde do estado do Paraná. O referencial teórico utilizado acerca do fenômeno está amparado em uma perspectiva histórico-crítica, com aspectos de gênero, sustentado por Minayo, Saffioti e Bourdieu. Quanto à dimensão do cuidado, as discussões se pautam em Merhy, Onocko Campos e Pinheiro. O estudo é de caráter analítico, utilizando uma abordagem multimétodos, com a triangulação de resultados de dados quantitativos e qualitativos em duas etapas. A primeira etapa envolveu a coleta de dados quantitativos, que foram desdobrados em: a) Dados sobre violência sexual contra crianças no Brasil; e b) Dados sobre violência sexual contra crianças em região de saúde do estado do Paraná. A segunda etapa, correspondeu aos dados qualitativos, organizados da seguinte maneira: a) Revisão de escopo sobre a violência sexual contra criança no campo da saúde coletiva; b) Análise de manuais orientativos sobre violência sexual contra crianças em âmbito nacional, estadual e municipal; c) Clipagem de notícias sobre violência sexual contra crianças; e d) Pesquisa de campo com profissionais que atuam no cuidado às crianças vítimas de violência sexual. O cenário da pesquisa incluiu os municípios de Toledo, Palotina e Mercedes, no estado do Paraná. Foram entrevistados/as 36 profissionais que atuam na linha de cuidado às crianças vítimas de violência sexual, incluindo assistentes sociais, agentes comunitários de saúde, psicólogos/as, conselheiros/as tutelares, enfermeiros/as e técnicos/as em enfermagem, lotados na atenção primária, média e alta complexidade, além da rede intersetorial. A coleta de dados ocorreu entre julho e dezembro de 2023, por meio de entrevistas semiestruturadas, realizadas de forma presencial e virtual. As entrevistas foram gravadas, transcritas integralmente e organizadas conforme a metodologia de análise categorial de conteúdo. Para a análise das narrativas, foi utilizado o método hermenêutico dialético, com auxílio do software Nvivo. Os resultados revelaram que o Brasil registrou um aumento nas notificações de violência sexual contra crianças entre zero e nove anos, com taxas variando entre 33,6% e 49,6%, majoritariamente contra meninas pretas e pardas, tanto na ocorrência quanto na reincidência do fenômeno. Nos municípios investigados, a violência sexual se apresentou principalmente contra meninas brancas, com a maioria dos casos ocorrendo nas residências. Identificou-se que os principais conceitos elucidados pela literatura acerca da violência sexual infantil e saúde incluem: Violência de Gênero e Violência Sexual (maus-tratos, abuso sexual, incesto, crime sexual, estupro, tráfico e exploração sexual). Quanto à cobertura midiática, a temática é pouco abordada, limitando-se ao mês de maio, alusivo à campanha de combate à violência sexual (maio Laranja). Os manuais orientativos de enfrentamento e cuidados das situações de violência sexual apresentam dinâmicas variadas. No contexto brasileiro, os documentos norteadores datam de 2002, 2010 e 2022, enquanto no estado do Paraná, as diretrizes e protocolos remontam a 2014, 2018 e 2021. Nos municípios pesquisados, os decretos e fluxos de atendimento foram publicados entre 2018 e 2020, com reflexos das mobilizações a partir da Lei da Escuta Especializada de 2017. A partir das entrevistas, foi possível compreender a concepção dos/as profissionais sobre violência sexual, com uma perspectiva ampliada, mas com raras menções aos aspectos de gênero e às relações de desigualdade de poder. As percepções sobre o cuidado envolveram o acolhimento, o atendimento, o acompanhamento e os encaminhamentos, com relatos de experiências e casos emblemáticos. No entanto, a notificação, que também é mecanismo de cuidado e dá visibilidade à violência, constitui um desafio para sua materialização. Além disso, os/as trabalhadores/as sinalizaram a necessidade de materiais informativos e campanhas sobre o tema. Com base nos achados da pesquisa, considera-se que o processo de cuidado às crianças vítimas de violência sexual nesta região ainda enfrenta limitações na operacionalização da linha de cuidado nacional como diretriz para a atenção integral. Observa-se que, nestes municípios, o processo de organização do cuidado ocorre de forma autônoma, levando em consideração as particularidades locais. Há uma necessidade urgente de ações de enfrentamento e qualificação profissional, especialmente porque a violência é um fenômeno histórico, que ganha novas formas para as quais as políticas públicas ainda não estão preparadas, principalmente com a utilização das tecnologias. Diante disso, a pesquisa sugere que abordagens como educação para sexualidade, educação para paz e formação continuada, articuladas com as instâncias de saúde e a rede intersetorial para a atenção, a prevenção e o enfrentamento do fenômeno são fundamentais. Também se destaca a importância da sensibilização de gestores/as e órgãos de participação nos níveis locais, para que possam efetivar os instrumentos protocolares em práxis cotidianas e transformadoras, capazes de viabilizar políticas efetivas para que as crianças possam exercer seu direito de viver de forma saudável e protegida.