HISTÓRIA SOCIAL

O Programa de Mestrado em História, da Universidade Estadual de Londrina, apresenta, como Área de Concentração, História Social e como Linhas de Pesquisa: Territórios do Político; História e Linguagens; Práticas Culturais, Memória e Imagem; História e Ensino.
Neste Programa, a Área de Concentração História Social é definida não apenas pela variedade de objetos que se propõe a investigar, mas sobretudo, pela concepção da cognoscibilidade do fenômeno histórico em si, pela incorporação interdisciplinar e pela articulação das partes com a totalidade. Essas bases teóricas da História Social estão diretamente relacionadas com a história do surgimento e consolidação deste campo temático.

O termo “História Social” emergiu, inicialmente, traduzindo a oposição a uma história pautada nos eventos políticos-militares e na narrativa dos grandes feitos da nação. Em contrapartida, expressava como práticas desejáveis a articulação de todos seus níveis, ou seja, a compreensão da sociedade em suas instâncias sociais, econômicas e culturais; a contribuição entre as várias ciências humanas; a valorização da história de outros grupos sociais além das camadas dominantes e o estabelecimento e resolução de problemas, em lugar da narrativa (CASTRO, 1997; HOBSBAWM, 1998; BURKE, 1991; DOSSE, 1992).

Aos poucos, a História Social constituiu um campo de conhecimento, com métodos e problemas próprios, assim como já estava ocorrendo com a História Econômica e a História Demográfica. Esse desenvolvimento proporcionou o aprimoramento dos métodos para análise das fontes históricas, uma ênfase no papel das ações humanas na história e a abertura para estudo de diferentes temporalidades – as relações entre a “curta” e a “longa duração” (CASTRO, 1997). Outras contribuições, especialmente de historiadores provenientes do marxismo britânico estimularam abordagens centradas na história dos movimentos sociais, na história “vista de baixo”, e mesmo na cultura de classes populares.

As discussões conceituais sobre “classe social” e “cultura” constituíram grande contribuição para os estudos históricos, mesmo para aqueles não tributários do materialismo histórico. Contribuições metodológicas também foram notáveis, como a utilização de depoimentos orais, literatura popular e novas problematizações para as fontes jurídicas. As dimensões políticas não foram desprezadas e se articulavam com uma visão totalizante da sociedade (HOBSBAWM, 1998; CASTRO, 1997).

Dessa forma, a História social pôde conceber o conhecimento histórico como “análise das relações sociais entre os homens e as modalidades de suas mudanças”, articulado e dotado de coerência interna, total (todas as dimensões do social são passíveis de investigação histórica) e dinâmica (capaz de incorporar mudanças) (SILVA, 2001).

A ideia de constituição de uma História Social encontrou seu ponto de inflexão, nos anos 60 e 70, com a emergência, nas ciências humanas em geral, de paradigmas pós-estruturalistas e anti-realistas (CARDOSO, 1997; CARDOSO, 1998; SILVA, 2001). A realidade histórica, agora convertida em textos e efeitos de representação, poderia ser submetida a “análises hermenêuticas”, a “desconstruções”. Todo conhecimento do passado seria relativo (ALBERTI, 1996; FALCON, 2000; CARDOSO, 1998).

Esta última concepção, levada ao paroxismo, ampliada por ataques ao racionalismo e aos sistemas de explicação global das sociedades, acabaria por divorciar-se do paradigma constituinte original da História Social: a cognoscibilidade do fenômeno histórico.

No entanto, embora possa até compartilhar de métodos de análise documental, embora também tenda a compreender que o conhecimento só pode ser uma representação, e não um espelho do passado, a História Social distancia-se radicalmente dessas posturas supracitadas. Distancia-se teoricamente, ao conceber o passado como realidade cognoscível, e metodologicamente ao defender a possibilidade de analisar as relações existentes entre os vestígios do passado (suas “representações sociais”) e a realidade por eles designada ou representada (GINZBURG, 1993; CARDOSO, 1997).

Por enfatizar a percepção dos fenômenos históricos como uma totalidade cuja composição abrange relações sociais, políticas, econômicas e culturais, o campo temático da História Social se caracteriza mais pelo posicionamento em relação aos objetos do que aos objetos em si. Privilegia o diálogo multitemático e interdisciplinar. É esse o diferencial, que permite distingui-lo das contribuições de outras áreas de conhecimento histórico.

Assim, embora certas problematizações de pesquisa indiquem a predominância para determinado campo de conhecimento histórico, a abertura para sua discussão em outras áreas é plenamente estimulada. Por exemplo, quando analisa um fenômeno político, o faz com fundamentação em conceitos e métodos da história política, mas aberto a outras dimensões da vida social, como a cultural, a ambiental, a econômica, etc. Destarte, é possível fazer, por exemplo, com problemáticas e metodologias próprias, uma “história social” de um fenômeno cultural ou religioso, ou uma “história social” do ensino de História, sem reduzir tais reflexões aos estudos específicos da história cultural, das religiões ou da educação.

Portanto, a Área de Concentração História Social foi escolhida justamente por permitir e estimular a o estudo integrado dessas dimensões dos fenômenos históricos. Territórios do Político; História e Linguagens; Práticas Culturais, Memória e Imagem e Ensino de História são os campos escolhidos para refletir e promover as pesquisas na área de concentração proposta. Os quatros campos resumem e aglutinam os trabalhos desenvolvidos pelos professores do Programa de História Social, tendo por fundo sempre a História Social como o locus privilegiado da reflexão teórica. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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