Teses e Dissertações
Palavra-chave: Profissionais
O CUIDADO ÀS CRIANÇAS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL EM REGIÃO DE SAÚDE DO ESTADO DO PARANÁ
EDYANE SILVA DE LIMA, Marselle Nobre de Carvalho
Data da defesa: 18/11/2024
A violência sexual contra crianças é um fenômeno histórico, cultural e de causas
multifatoriais enraizado nas sociedades, que se expressa através do abuso e
exploração sexual, demandando cuidados integrais e sistematizados. Este trabalho
tem como objetivo geral analisar o cuidado às crianças vítimas de violência sexual em
região de saúde do estado do Paraná. O referencial teórico utilizado acerca do
fenômeno está amparado em uma perspectiva histórico-crítica, com aspectos de
gênero, sustentado por Minayo, Saffioti e Bourdieu. Quanto à dimensão do cuidado,
as discussões se pautam em Merhy, Onocko Campos e Pinheiro. O estudo é de
caráter analítico, utilizando uma abordagem multimétodos, com a triangulação de
resultados de dados quantitativos e qualitativos em duas etapas. A primeira etapa
envolveu a coleta de dados quantitativos, que foram desdobrados em: a) Dados sobre
violência sexual contra crianças no Brasil; e b) Dados sobre violência sexual contra
crianças em região de saúde do estado do Paraná. A segunda etapa, correspondeu
aos dados qualitativos, organizados da seguinte maneira: a) Revisão de escopo sobre
a violência sexual contra criança no campo da saúde coletiva; b) Análise de manuais
orientativos sobre violência sexual contra crianças em âmbito nacional, estadual e
municipal; c) Clipagem de notícias sobre violência sexual contra crianças; e d)
Pesquisa de campo com profissionais que atuam no cuidado às crianças vítimas de
violência sexual. O cenário da pesquisa incluiu os municípios de Toledo, Palotina e
Mercedes, no estado do Paraná. Foram entrevistados/as 36 profissionais que atuam
na linha de cuidado às crianças vítimas de violência sexual, incluindo assistentes
sociais, agentes comunitários de saúde, psicólogos/as, conselheiros/as tutelares,
enfermeiros/as e técnicos/as em enfermagem, lotados na atenção primária, média e
alta complexidade, além da rede intersetorial. A coleta de dados ocorreu entre julho e
dezembro de 2023, por meio de entrevistas semiestruturadas, realizadas de forma
presencial e virtual. As entrevistas foram gravadas, transcritas integralmente e
organizadas conforme a metodologia de análise categorial de conteúdo. Para a
análise das narrativas, foi utilizado o método hermenêutico dialético, com auxílio do
software Nvivo. Os resultados revelaram que o Brasil registrou um aumento nas
notificações de violência sexual contra crianças entre zero e nove anos, com taxas
variando entre 33,6% e 49,6%, majoritariamente contra meninas pretas e pardas,
tanto na ocorrência quanto na reincidência do fenômeno. Nos municípios
investigados, a violência sexual se apresentou principalmente contra meninas
brancas, com a maioria dos casos ocorrendo nas residências. Identificou-se que os
principais conceitos elucidados pela literatura acerca da violência sexual infantil e
saúde incluem: Violência de Gênero e Violência Sexual (maus-tratos, abuso sexual,
incesto, crime sexual, estupro, tráfico e exploração sexual). Quanto à cobertura
midiática, a temática é pouco abordada, limitando-se ao mês de maio, alusivo à
campanha de combate à violência sexual (maio Laranja). Os manuais orientativos de
enfrentamento e cuidados das situações de violência sexual apresentam dinâmicas
variadas. No contexto brasileiro, os documentos norteadores datam de 2002, 2010 e
2022, enquanto no estado do Paraná, as diretrizes e protocolos remontam a 2014,
2018 e 2021. Nos municípios pesquisados, os decretos e fluxos de atendimento foram publicados entre 2018 e 2020, com reflexos das mobilizações a partir da Lei da Escuta
Especializada de 2017. A partir das entrevistas, foi possível compreender a concepção
dos/as profissionais sobre violência sexual, com uma perspectiva ampliada, mas com
raras menções aos aspectos de gênero e às relações de desigualdade de poder. As
percepções sobre o cuidado envolveram o acolhimento, o atendimento, o
acompanhamento e os encaminhamentos, com relatos de experiências e casos
emblemáticos. No entanto, a notificação, que também é mecanismo de cuidado e dá
visibilidade à violência, constitui um desafio para sua materialização. Além disso,
os/as trabalhadores/as sinalizaram a necessidade de materiais informativos e
campanhas sobre o tema. Com base nos achados da pesquisa, considera-se que o
processo de cuidado às crianças vítimas de violência sexual nesta região ainda
enfrenta limitações na operacionalização da linha de cuidado nacional como diretriz
para a atenção integral. Observa-se que, nestes municípios, o processo de
organização do cuidado ocorre de forma autônoma, levando em consideração as
particularidades locais. Há uma necessidade urgente de ações de enfrentamento e
qualificação profissional, especialmente porque a violência é um fenômeno histórico,
que ganha novas formas para as quais as políticas públicas ainda não estão
preparadas, principalmente com a utilização das tecnologias. Diante disso, a pesquisa
sugere que abordagens como educação para sexualidade, educação para paz e
formação continuada, articuladas com as instâncias de saúde e a rede intersetorial
para a atenção, a prevenção e o enfrentamento do fenômeno são fundamentais.
Também se destaca a importância da sensibilização de gestores/as e órgãos de
participação nos níveis locais, para que possam efetivar os instrumentos protocolares
em práxis cotidianas e transformadoras, capazes de viabilizar políticas efetivas para
que as crianças possam exercer seu direito de viver de forma saudável e protegida.