O AFETO PRESENTE NAS PRÁTICAS DE AUTOATENÇÃO E SEUS EFEITOS NA FORMAÇÃO DE UMA SAÚDE INTEGRATIVA
Milena Registro, Alberto Durán González
Data da defesa: 08/03/2024
Os processos de saúde e doença no Ocidente são sobretudo determinados pelo modelo biomédico cartesiano de caráter hegemônico, responsável por induzir o que se entende por atenção em saúde, atuando assim, como uma ferramenta de controle social mediante à imposição de uma norma de bem-estar. A crítica a esse modelo médico é necessária para não apenas expor as relações de poder que influenciaram o curso histórico dos processos de saúde e doença, mas também para que avancemos na discussão de saúde como um conceito ampliado e plural. Os processos de saúde e doença são reflexos de sistemas culturais que contribuem para o conhecimento da existência de outros modelos de atenção qualificados, e de outras formas não institucionais de se produzir saúde. A existência de redes informais em saúde apresenta-se nesta pesquisa enquanto práticas de autoatenção no protagonismo de sujeitos e coletivos que buscam encontrar e criar soluções para suas demandas de saúde, mediante sua própria realidade e subjetividade, guiando-se pelo afeto que permite articular de maneira fluída diferentes dimensões epistemológicas e práticas em prol dos seus desejos. O objetivo da pesquisa, portanto, é de compreender e demonstrar como a autoatenção articula afetivamente distintas formas de cuidado para a formação de uma saúde mais integrativa, tendo como local empírico de estudo a associação comunitária Ciranda da Cultura em Londrina, Paraná. Tratase de um espaço autogestionado, sobretudo por mulheres e adolescentes, que fornece e fomenta atividades cooperativas gratuitas à comunidade por meio do trabalho em rede. Por meio de uma análise qualitativa etnográfica em colaboração à metodologia cartográfica, realizaram-se encontros participativos com a intenção de produzir mapas afetivos que ilustrassem as linhas de força e os movimentos de desejo que dão forma ao que nomeio como Cirandas da Autoatenção. Como resultado preliminar teve-se a concepção de que o afeto atua como potência dessas práticas que, ao não evitar as subjetividades, extrapolam os limites protocolares dos modelos de atenção formalizados, contribuindo para o rompimento de ciclos de dependência diagnóstico terapêutica, assim devolvendo e produzindo autonomia às pessoas em campos de força micropolítica. As considerações da pesquisa são de que a prática de autoatenção encaminha a saúde para um cuidado não genérico, que se aproxima dos fluxos de vida das pessoas como uma prática integrativa no reflexo de suas necessidades e desejos.
A relação público-privado para a atenção de média complexidade em uma região de saúde
João Felipe Marques da Silva, Brígida Gimenez Carvalho
Data da defesa: 28/02/2018
O processo de municipalização dos serviços de saúde delegou ao ente municipal a responsabilidade sobre o sistema de saúde de seu território, principalmente quanto à coordenação da Atenção Básica. Ocorre que, para garantir a integralidade da atenção à saúde, princípio e diretriz estruturante do SUS, este ente também assumiu os serviços de Média Complexidade (MC), e por consequência, a relação com o prestador privado complementar ao sistema, constituindo, portanto, a relação público-privado deste nível de atenção. Neste contexto, especialmente em municípios de pequeno porte (MPP), esta relação ocorre, sobretudo para a compra de consultas especializadas, procedimentos hospitalares diagnósticos, clínicos e cirúrgicos, por meio de relação contratual com o setor privado complementar, ainda que o serviço esteja localizado em outro município ou sob gestão do Estado. A relação entre os MPP e o serviço privado complementar se constrói em um cenário de descentralização política-administrativa, sendo diretamente influenciada pelos resultados da micro e macro organização das políticas de saúde; das matrizes institucionais sobre o comportamento dos atores sociais e políticos; e pelas práticas clientelistas vigentes nestes espaços. Nesta perspectiva, esta pesquisa propõe-se compreender a relação entre gestores públicos e prestadores do sistema privado complementar para a atenção de MC em uma região de saúde de municípios de pequeno porte (MPP). Trata-se de um estudo de caso de natureza qualitativa, realizada nos municípios da região de Ivaiporã (22ª Regional de Saúde do Paraná), entre o período de dezembro de 2016 a fevereiro de 2017, utilizando entrevistas por meio de roteiro semiestruturado. Os sujeitos da pesquisa foram os gestores municipais, prestadores de serviços, membros gestores da regional de saúde, consórcio intermunicipal de saúde, e apoiador do COSEMS. A análise dos resultados se deu em duas etapas, a primeira por meio de análise documental, e na segunda as entrevistas foram submetidas à técnica de análise do discurso proposta por Martins e Bicudo (2003). A análise possibilitou a caracterização sócio assistencial da região, e a construção de quatro categorias: demanda; financiamento; contratos; gestão e planejamento de serviços. Os resultados apontam que os fatores identificados nas categorias de análise referentes à demanda e ao financiamento dos serviços de MC, permitem e favorecem a relação; enquanto as características observadas nas categorias de contrato e gestão, as estabelecem e as mantém. Estes fatores estão relacionados à organização das políticas de saúde e das políticas institucionais. Destacam-se, entre outros aspectos, a influência da formação médica na demanda de serviços de MC e o excesso de intervenções diagnósticas, além de práticas de reservas de mercado para a assistência médica na região. Quanto ao financiamento os municípios custeiam os serviços de MC com recursos próprios, minimizando os investimentos na Atenção Básica. Observa-se, também, que os contratos são executados em desencontro às normas operacionais do sistema. A relação público-privado nesta região atravessa e afeta o processo de regionalização desses municípios; é marcada por forte interdependência entre gestores públicos e privados; assimetrias de poder; interesses ao acesso; e benefícios à gestão municipal, a depender da tipificação de contrato entre o município - exclusivo ou não exclusivo, com o prestador. Entre eles, vantagens, práticas clientelistas, hierarquizadas, e de maximização de resultados de atores envolvidos, são possibilitadas pela naturalização destas ações nos espaços em que ocorrem. Conclui-se que a relação estabelecida fere o comando único do sistema, possibilita práticas clientelistas, e é reforçada pelo incipiente processo de planejamento e de medidas regulatórias pela gestão pública municipal e estadual; além de apresentar a fragilidade do papel do Estado na região, bem como, das instâncias colegiadas. Os resultados demonstram a necessidade de investir em ações que favoreçam a governança e o processo de regionalização, a capacidade regulatória de governos locais, e o controle social nesta região. Esta relação deve ser aperfeiçoada por tecnologias de gestão, e modalidades de contratos que possibilitem a integralidade das ações e a autonomia dos municípios perante os prestadores.
SUS para todos, para pobres ou para ninguém? A visão de estudantes de Educação Física de três universidades públicas do Paraná
Joamara de Oliveira Pimentel, Mathias Roberto Loch
Data da defesa: 16/03/2020
Introdução: O sistema de saúde brasileiro sofreu diversas mudanças desde o início do século XX, conforme se alteravam as condições econômicas, políticas e sociais no Brasil. O sistema Único de Saúde (SUS) tem entre seus princípios a universalidade, a integralidade e a equidade. No SUS atuam diferentes profissionais de saúde e, a partir da criação dos Núcleos Ampliados de Saúde da Família e Atenção Básica a Educação Física, entre outras profissões, passou a ter a oportunidade de se inserir nas equipes de saúde pública. Esse é um dos fatores que faz com que a formação em Educação Física precise ter uma aproximação mais estreita com o SUS. Objetivo: Verificar a visão de estudantes de Educação Física (EEF) sobre como deveria ser o acesso ao SUS de maneira geral e em ações/serviços específicos. Métodos: Estudo de delineamento transversal, descritivo e quantitativo com estudantes ingressantes e concluintes em 2019, nos cursos de bacharelado em Educação Física de três universidades públicas do Paraná. Responderam a um questionário semiestruturado 349 EEF (216 ingressantes e 133 concluintes). As questões principais avaliaram a visão dos EEF sobre o princípio da universalidade, de um modo genérico (a partir de uma pergunta geral sobre como deveria ser o acesso) e para 11 serviços/ações específicas: acompanhamento de pessoas com doenças crônicas, acompanhamento psicológico, acompanhamento de gestantes (pré-natal), atendimento domiciliar para pessoas com dificuldade de locomoção, atendimento odontológico, atendimento de urgência e emergência, fisioterapia, fornecimento de medicamentos, programas de atividades físicas, vacinação para crianças e adolescentes e vacinação para adultos. Resultados: A maioria (85,4%) dos EEF considerou que o acesso deveria ser “para todos” (sem diferença entre ingressantes e concluintes, p=0,090), 12,9% “para pobres” e 1,7% “para ninguém”. Porém, menos da metade dos que responderam que o acesso deveria ser “para todos” (na questão geral) respondeu desta maneira em todos os 11 serviços/ações investigados. Os concluintes apresentaram uma visão mais ampla sobre a integralidade que os ingressantes, sendo maior a proporção de resposta “para todos” entre os concluintes em três ações/serviços: atendimento psicológico, atendimento de pessoas com dificuldade de locomoção e programas de práticas corporais/atividade física (PCAF). Além disso, algumas destas ações/serviços apresentaram mais de 90% de resposta “para todos” tanto para ingressantes como para concluintes: atendimento a pessoas com doenças crônicas, serviços de urgência e emergência e vacinação para crianças e adolescentes, enquanto outras ações tiveram menos de 70% de resposta entre os ingressantes: atendimento odontológico, fisioterapia e fornecimento de medicamentos, sendo que entre os concluintes, o serviço/ação que teve menos de 70% de resposta “para todos” foi fisioterapia. Conclusão: Um percentual elevado de EEF, tanto em ingressantes quanto em concluintes, considera que o acesso ao SUS deve ser universal, mas parece prevalecer uma visão limitada sobre os serviços/ações que devem ser “para todos”, indicando assim a necessidade de um maior foco na questão da integralidade na formação profissional.
Centro de Especialidades Odontológicas como ponto de atenção na Rede de Saúde Bucal
Alessandra de Oliveira Lippert, Fernanda de Freitas Mendonça
Data da defesa: 06/04/2020
A Odontologia no Brasil, por um longo período destacou-se pela prática iatrogênica e mutiladora, com caráter elitista e voltado para os interesses do setor privado, inclusive reproduzindo estas características no âmbito público. No ano 2000, o Ministério da Saúde (MS) elaborou um projeto identificado como Saúde Bucal Brasil, e este embasou do ponto de vista epidemiológico a elaboração de diretrizes para a implantação da Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB), lançada em 2004. A PNSB surge como uma alternativa para a melhoria da atenção à saúde de todos os brasileiros, visa garantir as ações de promoção, prevenção, recuperação e manutenção da saúde bucal, e aponta para uma reorganização da atenção em saúde bucal em todos os níveis de atenção. Para fazer frente a esse desafio, uma estratégia adotada foi a implantação de Centros de Especialidades Odontológicas (CEO). E em contraponto, aos modelos de saúde fragmentados, em 2014, o estado do Paraná propõe o atendimento por meio da Rede de Atenção à Saúde Bucal (RASB). O atendimento em rede propõe garantir a mudança do paradigma entre o modelo cirúrgico-restaurador para um modelo que atue na promoção de saúde, favorecendo o acolhimento universal, garantindo o acesso, e fortalecendo as unidades de saúde com cuidado integral às pessoas. Desta maneira, considerando que os pontos de atenção à saúde são os nós da rede de atenção, compreender como estes se articulam dentro da RASB, é de extrema importância para a consolidação do modelo. Com base nisso, o objetivo desta pesquisa foi compreender o papel do CEO para a organização de uma rede regionalizada de atenção à saúde bucal. Quanto ao procedimento metodológico, o estudo caracterizou-se por ser um estudo qualitativo de caráter exploratório e descritivo, realizado na 20ª Regional de Saúde (RS) do Paraná, a qual é composta por 18 municípios. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas no período de março e abril de 2019, e foram submetidos à análise de discurso proposta por Martins e Bicudo (2005). Foram entrevistados 14 profissionais cirurgiões-dentistas, nove da atenção básica (AB) e cinco da média complexidade, sendo considerados informantes chaves deste estudo. Da análise das entrevistas emergiram três categorias: (1) a organização da RASB; (2) o cuidado em saúde bucal; e (3) o papel do CEO na RASB. Os resultados foram apresentados no formato de três manuscritos científicos, correspondentes a cada categoria de análise. Os dados do primeiro manuscrito identificam os serviços de Odontologia, bem como descreve a organização da RASB nesta região de saúde. De maneira que se percebe pelos profissionais o conhecimento da rede, tanto dos pontos de atenção, quanto das suas responsabilidades. Porém, ainda são frágeis os mecanismos que articulam a AB e o CEO com os serviços de alta complexidade, configurando um cenário muitas vezes dissonante daquele desenhado pela Linha Guia. O segundo manuscrito refere-se ao cuidado integral em saúde bucal, cuja a oferta limitada e a dificuldade de acesso aos serviços de saúde são frequentemente relatadas como maiores comprometedores da integralidade. Um dos principais motivos reside na fragilidade do cumprimento das atribuições relativas ao nível da AB, que gera demanda inapropriada aos níveis especializados, contribuindo para a demanda reprimida. O terceiro manuscrito permitiu identificar a posição ativa do CEO regional na região de saúde, o qual se mostrou importante para fortalecer a rede, bem como para a integralidade do cuidado. Por fim, os dados sugerem que há oferta de serviços de Odontologia presentes na 20ª RS, e a RASB no Paraná se apresenta organizada, porém ainda apresenta limitações. Quanto ao CEO, este tem um papel ativo na rede sendo um importante instrumento no processo de regionalização, porém ressalta-se a importância de ampliar e garantir o acesso equânime e de qualidade às necessidades de saúde bucal da população, com a garantia de continuidade do cuidado iniciado na AB.