POLÍTICA DE FINANCIAMENTO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE E SUAS IMPLICAÇÕES NOS PRINCÍPIOS DOUTRINÁRIOS DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
Ana Paula Bazzo Romagnolli, Fernanda de Freitas Mendonça
Data da defesa: 17/05/2024
O Sistema Único de Saúde (SUS) representa o sistema público de saúde brasileiro com a missão de proporcionar acesso universal, integral e com equidade à saúde para todos os cidadãos, estabelecida através de seus princípios doutrinários. No entanto, o financiamento da Atenção Primária à Saúde (APS) tem enfrentado obstáculos. A introdução do Programa Previne Brasil (PPB) em 2019, juntamente a alterações políticas como a Emenda Constitucional 95 e a revisão do Programa Nacional da Atenção Básica (PNAB) em 2017, levanta questões sobre o impacto dessas medidas nos princípios do SUS. Diante disso, questiona-se o quanto a nova política de financiamento da APS tenciona para fortalecer ou não os princípios do SUS. A pesquisa teve como objetivo analisar a evolução normativa do PPB na gestão da Atenção Primária e suas implicações nos princípios doutrinários do SUS. Trata-se de um estudo qualitativo que utilizou a análise das portarias publicadas entre 2019 e 2022 como fonte de dados. Os documentos foram obtidos por meio do Sistema Saúde Legis com o assunto Previne Brasil. Outra estratégia de busca foi conduzida através da análise das próprias portarias, identificando aquelas que faziam referência ao PPB em seu conteúdo, mesmo que não tivessem sido inicialmente capturadas pelo Saúde Legis. Os resultados apontaram que o PPB passou por ajustes desde sua implementação, evidenciados por 30 portarias entre 2019 e 2022. O eixo da capitação ponderada concentrou o maior número de portarias, assim como o ano de 2020. No que se refere ao conteúdo das portarias, estas abordam desde a definição de alguns regramentos, instituição de incentivos e definições de metas, porém ganham destaque o volume de atos que estabelecem a prorrogação das normas sobre o cadastramento e o atingimento dos indicadores de desempenho. Posto isso, verificou-se que as alterações produzidas por essa nova política de financiamento apresentam aspectos que podem tanto fortalecer quanto fragilizar os princípios do SUS. Por mais que algumas das medidas do PPB tenham coerência com os princípios do SUS, não se pode negar que a densidade dos elementos que prejudicam a implementação dos princípios do SUS são muito maiores e, portanto, no conjunto da obra seria arriscado afirmar que esse programa iria ofertar benefícios para APS.
REPERCUSSÕES DAS POLÍTICAS FEDERAIS NO TRABALHO DA GESTÃO DA APS EM MUNICÍPIOS DA MACRORREGIÃO NORTE DO PARANÁ
VIVIANE GRANADO BARREIRA DA SILVA, Brígida Gimenez Carvalho
Data da defesa: 19/04/2024
A Constituição Federal e as normativas do Ministério da Saúde instituíram mecanismos para descentralizar as políticas públicas de saúde no Sistema Único de Saúde (SUS), atribuindo responsabilidades para cada esfera de governo. Nos últimos anos ocorreram mudanças importantes Atenção Primária à Saúde (APS), porta de entrada preferencial para a atenção à saúde do SUS, com a publicação da Política Nacional da Atenção Básica (PNAB) 2017 e do Programa Previne Brasil (PPB). Este estudo teve como objetivo analisar as alterações no trabalho das equipes gestoras da saúde decorrentes da implantação das políticas públicas para a APS, a partir de 2017, em nove municípios da macrorregião norte do Paraná. Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, e integra uma pesquisa maior denominada “Mudanças nas regras de transferência de recursos federais do Sistema Único de Saúde: implicações e desafios para o financiamento e a organização da Atenção Primária à Saúde no Brasil”. A seleção de nove municípios se deu pela análise de indicadores de financiamento da saúde, visando contemplar na seleção a diversidade de municípios da macrorregião norte do Paraná. As entrevistas, ocorridas entre junho a setembro de 2022, foram realizadas presencialmente, nas secretarias de saúde dos municípios, a partir de um roteiro semiestruturado, tendo como participantes os nove gestores municipais de saúde e nove coordenadores da APS. A análise das entrevistas seguiu a metodologia de análise de discurso. Os resultados foram organizados nas seguintes categorias: características das equipes gestoras; apropriação e posicionamento dos gestores sobre as políticas da APS; mudanças ocorridas no processo de trabalho e desafios encontrados frente à essas mudanças. A maior parte dos municípios da pesquisa são de pequeno porte e as equipes gestoras compostas pelos secretários de saúde e coordenadores da atenção básica, tendo o predomínio de mulheres, na faixa etária de 36 a 51 anos. Verificou-se que sete gestores tinham ensino superior completo, cinco deles com formação na área da saúde e seis possuíam até três anos de atuação na área de gestão como secretário de saúde, apenas um gestor referiu não ter experiência anterior na saúde. A coordenação da APS é composta por profissionais com ensino superior em saúde, a maioria enfermeiras, sendo oito pós-graduadas, a maioria em saúde coletiva, sete possuíam mais de quatro anos de atuação na coordenação da APS. Foram identificados diferentes níveis de apropriação dos entrevistados a respeito das políticas da APS a partir de 2017, evidenciando distintos entendimentos e a maioria demonstrou posicionamento favorável às novas políticas. Foram relatadas mudanças nos processos de trabalho em saúde, para o cadastramento da população no sistema e-SUS e para o monitoramento dos indicadores do Previne Brasil. A implantação do prontuário eletrônico foi à mudança mais impactante, e menos da metade dos municípios pesquisados optaram por adotar o sistema público (e-SUS), principalmente devido à falta de suporte técnico do Ministério da Saúde e da Secretaria Estadual de Saúde. Também se constituem em desafios: funcionários mais antigos com dificuldades em lidar com sistemas eletrônicos e municípios com áreas rurais muito extensas e sem acesso à internet. O referencial teórico utilizado possibilitou a análise das repercussões da implantação de políticas públicas, como a PNAB e o PPB, no trabalho das equipes gestoras, considerando como as responsabilidades estão sendo compartilhadas, como a cooperação entre os entes está sendo promovida ou desafiada, bem como a falta de suporte técnico pode criar obstáculos institucionais.
EXISTIR TRANSFRONTEIRIÇO: VIDA E DIREITOS NA ATENÇÃO À SAÚDE DA FRONTEIRA INTERNACIONAL ENTRE ARGENTINA, BRASIL E PARAGUAI
Carlos Guilherme Meister Arenhart, Alberto Durán González
Data da defesa: 12/01/2024
Introdução: A saúde coletiva na região transfronteiriça entre Brasil, Paraguai e Argentina esteve condicionada historicamente pelo distanciamento da oferta de atenção à saúde que considere as dinâmicas próprias do lugar. A experiência do cidadão transfronteiriço nos sistemas públicos de saúde do lugar representa pistas fundamentais para costuras próprias de organização dos Estados para que se materialize uma oferta digna e resolutiva. Objetivo: Analisar como o cidadão transfronteiriço entre de Foz do Iguaçu – Brasil, Ciudad Del Este – Paraguai e Puerto Iguazú – Argentina experencia a Atenção à Saúde. Métodos: Desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa na qual foram realizadas 16 entrevistas semiestruturadas com cidadãos nos sistemas de saúde pública dos três lados da fronteira. As entrevistas ocorreram no período de setembro a outubro de 2023 e o tempo de cada entrevista variou de 25 a 40 minutos. Os critérios de seleção foram aleatórios e concretizados com a disponibilidade e interesse em participação no estudo. Para a organização dos achados utilizou-se a Análise de Discurso e as análises destes partiram da sustentação epistemológica advinda da filosofia da existência. Resultados e Discussão: A cidadania transfronteiriça firmou pelos discursos que a saúde coletiva no lugar possui importantes desafios a serem superados. Os mundos da permanência no lugar, do acesso à saúde, do direito à saúde e do colapso existencial dos sistemas de saúde foram explorados analiticamente. O cidadão transfronteiriço permanece no lugar motivado pela tríade labor, amizade e família. No acesso à saúde existem barreiras e facilitadores na ponte que materializa a atenção à saúde. As barreiras interditam o caminhar do cidadão transfronteiriço e produzem sofrimento. No âmbito do direito à saúde constaram-se movimentos tensionadores entre os cidadãos em seus olhares sobre o direito à saúde ao cidadão transfronteiriço e há um espaço-entre de conflito. Há um colapso existencial da saúde coletiva pública e este é representado pelas experiências cidadãs na atenção à saúde. Considerações Provisórias: Os mundos saúde coletivistas para o cidadão transfronteiriço, ao experienciar a atenção à saúde nos sistemas públicos de saúde demonstrou a necessidade de costuras urgentes, nacionais e internacionais, de políticas de saúde sensíveis às demandas de quem projeta suas vidas nesse lugar. O cidadão transfronteiriço ao lançar o si-mesmo nestes mundos compõe condições próprias que trazem pistas importantes para o futuro dos sistemas públicos de saúde da fronteira trinacional.
PROCESSO DE INTEGRAÇÃO ENSINO-SERVIÇO: A EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE COMO ESTRATÉGIA PARA O FORTALECIMENTO DA GESTÃO DO SUS
EDINALVA DE MOURA FERRAZ, Fernanda de Freitas Mendonça
Data da defesa: 04/04/2023
A gestão no/do Sistema Único de Saúde é uma atividade complexa, que requer das equipes gestoras a compreensão e um conjunto de habilidades e competências para superar os desafios vivenciados nessa área. E a integração entre os serviços de saúde e universidades pode ser uma importante estratégia para mitigar essa complexidade. A literatura demonstra que essas articulações são importantes para a qualidade da assistência, mas ainda é incipiente a realização de estudos que investiguem a integração ensino-serviço na perspectiva da gestão desse sistema, em particular, quando essa integração está ancorada nos pressupostos da Educação Permanente em Saúde. Dessa forma, o presente estudo teve o objetivo de analisar as repercussões de um processo de integração ensino-serviço por meio da Educação Permanente em Saúde, para o fortalecimento da gestão do Sistema Único de Saúde. Foi realizado em duas regionais de saúde, situadas na macrorregião norte do Estado do Paraná. Trata-se de um estudo qualitativo, de natureza compreensiva que se utilizou de duas técnicas complementares para obtenção e análise dos dados empíricos. No primeiro momento realizou-se observação participante durante as oficinas que aconteceram na 16ª Regional de Saúde, as quais contaram com uma média de 33 pessoas e que estruturaram esse processo de Educação Permanente em Saúde, nomeado de PROGESTÃO ocorrido entre o período de abril a dezembro de 2019. No segundo momento, foram realizadas entrevistas, no período de julho a dezembro de 2020, com pessoas que se destacaram em relação a participação, realização das tarefas de dispersão e troca de conhecimentos com os demais membros do grupo durante as oficinas. Devido a pandemia ocasionada pelo Coronavírus, essas entrevistas foram realizadas de maneira remota, pela própria autora da tese, com o apoio de um roteiro semiestruturado, o qual continha questões disparadoras para o diálogo, que abordavam sobre o processo desenvolvido, bem como suas repercussões para a prática da gestão em saúde. O referencial teórico metodológico utilizado para extração e análise dos dados oriundos da observação participante e das entrevistas foi a hermenêutica crítica, proposta por Paul Ricouer, onde se considerou, entre outros aspectos, a temporalidade do discurso, bem como sua subjetividade e sua representatividade. O resultado desta tese foi apresentado no modelo escandinavo, dividido em dois manuscritos. O primeiro manuscrito trata sobre o processo de Educação Permanente em Saúde desenvolvido. Escrito sobre o formato de relato de experiência, está estruturado em cinco seções: a primeira descreve o contexto em que a experiência foi desenvolvida, elucidando motivos, atores e a localidade em que ocorreu; a segunda apresenta a proposta de trabalho, a confecção das oficinas e os recursos metodológicos utilizados; a terceira relata o caminho percorrido na sua operacionalização; a quarta discute as características de interdisciplinaridade existentes no processo e a última apresenta algumas considerações. A proposta mostra-se como uma potente estratégia para promover o diálogo, qualificar e tornar reflexivo o trabalho no campo da gestão em saúde entre diferentes atores e instituições principalmente no contexto de crise sanitária e fiscal do Estado. O segundo manuscrito, analisou as repercussões desse processo de Educação Permanente em Saúde. Os resultados revelaram desafios e potencialidades do processo de Educação Permanente no âmbito da gestão em saúde, bem como repercussões para a atuação da equipe gestora em seu lócus de atuação. Apesar dos desafios revelados como a qualificação incipiente da equipe e dificuldade de institucionalização da Política Nacional de Educação Permanente, os profissionais reconheceram a importância da integração ensino-serviço na promoção de processos de formação que utilizam metodologias ativas e propiciam espaços coletivos de diálogo. O processo de EPS vivenciado durante o curso teve como repercussão uma maior integração entre as pessoas que participam de processos de gestão municipal, sentimento de pertença e de comprometimento à gestão, incorporação de processos de EPS no cotidiano da gestão, com destaque para o enfrentamento de problemas decorrentes da pandemia e no processo de definição do uso de recursos pela equipe gestora. É essencial promover processos de qualificação que considerem as necessidades dos sujeitos, contexto de atuação e singularidades dos profissionais que atuam na gestão do SUS. Esta tese demonstrou ainda que a complexidade da gestão vivenciada no contexto do SUS pode ser amenizada por meio de parcerias entre o mundo do ensino e o mundo do trabalho.
Papel dos Consórcios Públicos de Saúde no Processo de Regionalização à Saúde na Macrorregião Norte do Paraná.
Juliana Stuqui Mastine Gomes, Brígida Gimenez Carvalho
Data da defesa: 13/05/2022
Após mais de 30 nos de criação do Sistema Único de Saúde, a regionalização, um dos seus princípios organizzativos, não conseguiu superar a fragilidade das estratégias de planejamento regional e os problemas de acesso da população à atenção especializada entre os municípios e/ou estados. Visando enfrentar esse problema, os Consórcios Públicos de Saúde (CPS) foram criados na década de 1990. Essa pesquisa apresenta como objetivo principal, analisar o papel desempenhado pelos CPS no processo de regionalização na Macrorregião Norte do Paraná.Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa e exploratória, desenvolvido na Macrorregião Norte do Paraná que abrange as Regionais de Saúde (RS) 16ª, 17ª, 18ª, 19ª e 22ª. Foram realizadas entrevistas por meio de um roteiro semiestruturado, no período de setembro de 2020 a maio de 2021. Os participantes da pesquisa foram os gestores municipais e representantes do Conselho Regional de Secretários Municipais de Saúde do Paraná (CRESEMS), gestores estaduais e dirigentes dos cinco consórcios públicos de saúde destas regiões. Os dados foram analisados e interpretados pela técnica de análise de discurso proposta por Martins e Bicudo e os resultados organizados em dois grandes temas, sendo estes: Papel dos Consórcios na Macrorregião Norte do Paraná e Espaços de Governança Regional da Macrorregião Norte do Paraná. Foram identificados diversos papeis desempenhados pelos consórcios, desde se constituir como ferramenta dos municípios para viabilizar a oferta de ações e serviços de saúde (consultas, exames especializados, e durante a pandemia compras conjuntas de EPI, contratação de profissionais para os Centros de atendimento à COVID-19), como seu importante papel para fortalecer as redes de atenção à saúde e a regionalização e ainda seu papel articulador entre os entes federados. No entanto, destacam-se alguns desafios da ação consorciada que necessitam ser superados, dentre eles à sobrecarga dos municípios quanto ao financiamento, tendo em vista a retração no aporte financeiro, especialmente do ente federal, bem como o fortalecimento da mercantiliação da saúde, ocasionada pela compra de serviços pelos CPS a preços de mercado. Outro desafio refere-se à extrapolação da atuação da direção do CPS, chegando a ser confundido com um ente federativo por alguns gestores municipais e ainda o sentimento de menor valor dos MPP frente aos municipios sede quando da tomada de dicisões compartilhadas. Apesar desse sentimento por parte de aguns gestores, é reconhecida a viabilização de espaços decisórios com objetivo de estabelecer a cooperação entre os entes e o compartilhamento de interesses. Há também o estabelecimento de reuniões de grupos de municípios de acordo com seu porte populacional, o que propiciou uma maior participação e protagonismo dos pequenos municípios. Conclui-se que os CPS podem contribuir para que a regionalização se efetive, por meio de um processo dinâmico de cooperação e de articulação, desde que os gestores envolvidos no processo de governança regional se fortaleçam e exerçam seu papel gestor.
Financiamento da APS: o desafio da gestão municipal
Luana Carla Tironi de Freitas Giacometti, Fernanda de Freitas Mendonça
Data da defesa: 18/07/2022
O financiamento em saúde sempre foi um desafio para a gestão no SUS. Nos últimos anos ocorreram algumas mudanças, como a aprovação da Emenda Constitucional 95, conhecida como a PEC do Teto dos gastos, e a mudança do financiamento da APS, com a aprovação e implantação do Programa Previne Brasil. A pesquisa teve como objetivo analisar o processo de gestão orçamentária da APS em municípios da macrorregião norte do Paraná. A macrorregião norte do Paraná, conta com uma população estimada de 1.819.461 habitantes distribuídos em 97 municípios. A região é caracterizada por municípios de pequeno, médio e grande porte populacional. O estudo ocorreu nos anos de 2020, 2021 e 2022, em dois momentos, sendo o primeiro no formato quantitativo e o segundo de forma qualitativa. Na primeira etapa, com o objetivo de investigar a evolução da composição tripartite para o financiamento dos serviços de saúde, realizou-se um estudo de natureza quantitativa, a partir de dados secundários, referentes ao financiamento dos municípios da macrorregião norte do Paraná. Para a escolha dos locais de coleta no campo da pesquisa foi construída uma matriz de classificação dos municípios quanto à sua condição sobre o financiamento e a organização da APS. Na segunda etapa, foram realizadas entrevistas a partir de um roteiro semiestruturado, tendo como sujeitos os contadores e gestores de saúde dos municípios elegíveis pela matriz de classificação. Para análise das entrevistas utilizou-se o método de análise de discurso, preconizado por Martins e Bicudo (2005), com o objetivo de analisar a organização do trabalho, planejamento em saúde e execução orçamentária referente aos investimentos para o custeio da APS, e as possíveis repercussões das recentes mudanças do financiamento, de forma qualitativa. Os resultados da pesquisa mostraram que houve aumento da participação no financiamento pelos municípios, principalmente os de pequeno porte. Mesmo com o aumento de recursos municipais investidos em saúde, os municípios menores apresentam maior dependência dos recursos de transferências constitucionais. Em relação à organização do trabalho, planejamento em saúde e execução orçamentária referente aos investimentos para o custeio da atenção básica, a maioria dos municípios não apresenta uma equipe formal de construção de planejamento e orçamento; a construção do orçamento tende a ser mais coerente com o plano municipal de saúde quando existe uma equipe constituída, mesmo que informalmente; e a execução orçamentária também está intimamente relacionada com a maior capacidade técnica dessa equipe. Os municípios menores, mostraram-se mais frágeis no que se refere à constituição de equipes mais qualificadas. Sobre a percepção dos entrevistados sobre as mudanças nas regras de financiamento e sua possível implicação na gestão orçamentária, os municípios de grande porte reconhecem que houve diminuição dos recursos financeiros, principalmente os que possuem baixa cobertura da APS. Observa-se que devido a pesquisa ter sido realizada em período pandêmico, houve repasse de recursos extraordinários para Covid, o que pode ter influenciado na percepção dos entrevistados sobre a diminuição dos recursos no âmbito da APS, principalmente em municípios menores. O financiamento da APS e os valores investidos não acompanharam as necessidades de saúde apresentados no planejamento em saúde. A insegurança em ter a garantia de recebimento pela União, a ausência dos Estados em incentivos financeiros no âmbito da APS e o medo de executar os recursos vinculados erroneamente, faz com que os municípios executem os gastos prioritariamente com recursos próprios.
Ação coletiva e cooperação: por uma nova regionalização no SUS
Silvia Karla Azevedo Vieira Andrade, Fernanda de Freitas Mendonça
Data da defesa: 06/05/2022
O processo de regionalização no SUS encontra entraves para sua efetivação, considerando a diversidade e complexidade dos territórios regionais no país e as limitações nas relações federativas. Essas limitações, embora percebidas pelos atores que participam dos espaços de discussão e de tomada de decisões, se cristalizam no cotidiano técnico-político da gestão e do planejamento em saúde. Frente a esses pressupostos, esse estudo objetiva compreender como ocorre a ação coletiva e a cooperação no território regional com vistas à estruturação de um plano de ação para uma nova regionalização no SUS. O embasamento do estudo contemplou os conceitos do federalismo, das relações de poder e da ação coletiva, que se entrelaçaram como referentes em um mapa teórico conceitual. O caminho do estudo foi estruturado a partir da metodologia de pesquisa-ação, de abordagem qualitativa, envolvendo os sujeitos atuantes no território e percorrendo três etapas subsequentes: a etapa diagnóstica, que teve dois momentos de coleta, a etapa de imersão, que identificou e estruturou espaços de ação coletiva e, por fim, a etapa de interposição, que oportunizou a estruturação do plano de ação para a regionalização. Como resultados do estudo, foram identificados os elementos da ação coletiva e do exercício do poder no âmbito da relação federativa, bem como aspectos limitadores da atuação dos entes frente às suas competências, além de fatores que limitam ou potencializam a ação coletiva no território, que se expressa por meio da cooperação e coordenação de políticas públicas no planejamento regional no SUS. Foram também experimentadas estratégias em potencial para fortalecer a ação coletiva no cotidiano das relações federativas e das relações de poder neste local e, por fim, foi elaborado um plano de ação, como exercício de propositiva de caminhos para uma nova regionalização no SUS. Esses caminhos apontaram para a necessidade de estruturação de espaços dialógicos horizontais no território regional e da pactuação de um contrato da ação pública entre os entes federativos, para o compartilhamento de responsabilidades melhor definidas entre esses entes, que preceda a contratualização de ações e serviços e sintetize o planejamento regional das políticas públicas de saúde.
Repercussões do financiamento e da organização dos serviços de saúde bucal para o modelo de atenção odontológica na macrorregião Norte do Paraná.
Caroline Pagani Martins, Fernanda de Freitas Mendonça
Data da defesa: 24/02/2022
A conjuntura crítica perpetrada pela crise política e econômica ocorrida no Brasil em 2014 se somou a ascensão de um governo federal fortemente direcionado ao neoliberalismo, resultando em reformas econômicas centradas na austeridade fiscal, alterações emblemáticas na política de Atenção Básica (AB) e novas regras de financiamento federal do Sistema Único de Saúde (SUS). A compreensão dos efeitos dessas novas conformações para a assistência odontológica é imprescindível. Assim, o presente estudo teve como objetivo analisar as repercussões do financiamento e da organização dos serviços de saúde bucal para o modelo de atenção odontológica na macrorregião Norte do Paraná. Para tanto, realizou-se um estudo de natureza quanti-qualitativa desenvolvido em dois movimentos. O primeiro, quantitativo, foi constituído por um estudo descritivo e exploratório que, por meio de dados secundários, buscou avaliar indicadores de saúde bucal da macrorregião Norte do Paraná entre 2013 e 2019, identificando possíveis desafios para a consolidação dos pressupostos da Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB). No segundo movimento, qualitativo, foram entrevistados presencialmente entre julho e outubro de 2021, a partir de um roteiro semiestruturado, 29 gestores de saúde de 16 municípios da macrorregião Norte do Paraná. Utilizando-se o método de análise de discurso preconizado por Martins e Bicudo em 2005, foi investigada a percepção desses gestores sobre os principais desafios enfrentados na consolidação dos pressupostos da PNSB na atenção odontológica. Os resultados apontam um cenário atual preocupante para a macrorregião Norte do Paraná, com quedas abruptas no quantitativo de procedimentos individuais e ações coletivas, na contratualização de equipes de saúde bucal (eSB) e nas coberturas de eSB e de primeira consulta odontológica programática. Demonstram também que a organização da saúde bucal macrorregião analisada ainda prioriza condutas atreladas a modelos considerados ineficazes e ineficientes por serem produtivistas e curativistas, enquanto as Redes de Atenção à Saúde Bucal (RASB) se encontram fragilizadas devido aos amplos vazios assistenciais e pela dificuldade da Atenção Básica (AB) em atuar como coordenadora do cuidado. Ademais, outros problemas identificados foram a opção por modalidades de contratação menos estáveis e mais precarizadas, como a “pejotização”, o rompimento com as equipes multiprofissionais e a reordenação do trabalho com vistas ao cumprimento de metas, em uma perspectiva focalizada e produtivista, desconsiderando as reais necessidades dos territórios. A continuidade de políticas públicas de caráter universal que se pautam pela equidade é fundamental para os avanços em termos de acesso, utilização e resolutividade dos serviços. Dessa forma, a atual situação da PNSB suscita preocupação pois, caso não passe a ser financiada adequadamente e a receber priorização política, poderá se traduzir tão somente em uma política residual e focalizada.
Repercussões do contexto sócio-político, sanitário e normativo para a oferta e organização de serviços da Atenção Básica na Macrorregião Norte do Paraná
Wellington Pereira Lopes, Brígida Gimenez Carvalho
Data da defesa: 17/03/2022
Introdução: A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) se deu um contexto político de redemocratização do país, quando se encerrava um ciclo ditatorial e se iniciava o período democrático, marcado por manifestações, reinvindicações e participação popular em busca de melhorias em diversos aspectos. O contexto de implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) foi marcado por políticas normativas seguindo a lógica federativa do país por meio da descentralização e participação de todos os entes federados. Apesar dos diversos avanços nos útimos anos, questões relacionadas a crise política, avanço do neoliberalismo e crises sanitárias têm influenciado diretamente as mudanças ocorridas no SUS. Esse trabalho teve como objetivo: Analisar as possíveis repercussões do contexto sócio-político, sanitário e normativo para a oferta e organização de serviços da AB na macrorregião norte do Estado do Paraná. Metodologia: Estudo de caráter compreensivo, realizado em dois movimentos distintos. O primeiro, de caráter quantitativo descritivo, por meio de dados secundários, disponibilizados pelo Ministério da Saúde (MS) no sistema Espaço para Informação e Acesso para o Sistema da Atenção Básica (e-gestor), sobre número e cobertura de equipes estratégicas da Atenção Básica (AB), referente ao período 2011 a 2019. O segundo movimento, de caráter qualitativo, foi realizado em 16 municípios da macrorregião norte do Paraná. Os sujeitos da pesquisa foram coordenadores municipais da Atenção Básica (AB) e secretários municipais de saúde entrevistados por meio de roteiro semiestruturado, que continha questões que versavam sobre a organização da atenção básica e gestão do trabalho e foram realizadas no periodo de julho a outubro de 2021. Para análise e interpretação dos dados, foi utilizado o método de análise de discurso. Resultados: Houve aumento no quantitativo e na cobertura, tanto da Estatégia Saúde da Familia (eSF), quanto das demais equipes estratégicas entre os anos de 2011 a 2019, porém os resultados apontam estagnação e até mesmo redução para algumas estratégias nos anos subsequentes. O crescimento das ideias neoliberais, a reforma trabalhista e contextos políticos, econômicos e sociais no período da formulação da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) de 2017, refletiram em flexibilização da forma de contratação e na estrutura das composições das equipes, afetando principalmente os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) que sofreram redução do quantitativo de profissionais e da cobertura populacional. Na macrorregião norte do Paraná,a maioria dos municípios estudados manteve a organização da AB por meio das eSF, e em apenas três municípios verificou-se a existência de Equipes de Atenção Primária (eAP). Em relação às formas de contratação nesses municípios, notou-se aumento dos vínculos precáriosQuanto a percepção dos gestores sobre o desempenho e tipo de vínculo contratual, observouse que alguns gestores não identificam diferença entre a atuação de profissionais com vínculos distintos, entretanto houve ênfase por de alguns gestores que profissionais terceirizados e com vínculo de trabalho mais frágil tem melhor desempenho do que profissionais com estabilidade no trabalho. Observou-se que a crise sanitária da Covid-19 interferiu diretamente na organização e oferta de serviços da AB, além disso, a crise do federalismo brasileiro marcada por conflitos intergovernamentais provocou atraso na organização da AB para atuar frente a pandemia por Covid-19. Apesar disso houve organização por meio de unidades sentinelas de atendimento a pessoas sintomáticas respiratórias, unidades de coleta de exames e unidades de atendimento regular aos pacientes. Os serviços ofertados foram: tele-atendimento, rastreamento de casos suspeitos e casos confirmados, atendimento de pacientes com sintomas respiratórios nas unidades de referência, atendimento de rotina nas demais unidades, população do território, entrega ou envio por e-mail de receitas médicas de uso continuo aos pacientes crônicos para minimizar aglomerações, incentivo ao programa de imunização e atendimento psicológico. Conclusão: Os resultados permitem inferir que a PNAB 2017 não possibilitou o fortalecimento da AB com foco na eSF; que o cenário político, sanitário, econômico e social vivenciado pelos municípios nos últimos anos, interferiu diretamente na forma de contratação dos profissionais, na percepção dos gestores em relação ao desempenho e vínculo de trabalho e que a crise entre os entes federativos, especialmente a descooordenação, refletiu de forma negativa na organização da AB para o combate da Covid-19.
Regionalização e cooperação nas estratégias de contratualização no SUS
João Felipe Marques da Silva, Brígida Gimenez Carvalho
Data da defesa: 11/03/2022
A multiplicidade de modelos institucionais de gestão e prestação de serviços de saúde no Brasil mostra-se como um importante aspecto do processo de regionalização do SUS, especialmente em municípios de pequeno porte. A etapa de contratualização desses modelos institucionais apresenta-se como estratégia para o acesso dos usuários à atenção especializada ambulatorial e hospitalar; constitui-se como fase obrigatória para a oferta de serviços de saúde; e, encontra-se envolvida por diferentes formas de cooperação entre os entes federados e desses com distintas modalidades de prestação de serviços. Cada uma delas revela uma série de elementos, com regras e formatações institucionais, além de critérios contratuais distintos a depender de sua natureza jurídica. Ainda, são produtos de um determinado contexto histórico, reflexo de reformas constitucionais e administrativas, consequência da implementação de políticas específicas, bem como de demais aspectos relacionados às relações público-privadas. Nesse contexto, os processos de regionalização e contratualização dos serviços de saúde são variáveis dependentes, condicionados por fatores diversos, entre eles, as desigualdades e iniquidades na oferta, e a diversidade de atores e prestadores públicos e privados com ou sem fins lucrativos disponíveis no território. Dessa forma, ao considerar que a região de saúde é o lócus principal de organização do SUS com vistas à garantia constitucional da integralidade da atenção, essa pesquisa apresenta como objetivo principal, compreender como as estratégias de contratualização das modalidades institucionais de gestão e prestação de serviços para a assistência à saúde relacionam-se com a cooperação e com o processo de regionalização do SUS em regiões formadas por municípios de pequeno porte. Trata-se de um estudo de casos múltiplos, de caráter qualitativo, desenvolvido entre os meses de dezembro de 2019 a janeiro de 2021 na macrorregião norte do Paraná (16ª, 17ª, 18ª, 19ª e 22ª regionais de saúde), por meio do levantamento de dados secundários e entrevistas, utilizando-se de roteiro semiestruturado. Os sujeitos da pesquisa foram: gestores municipais, prestadores de serviços, técnicos das regionais de saúde, gestor estadual, diretor do consórcio público, representantes do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (COSEMS), e membro do controle social. As entrevistas foram submetidas à análise hermenêutica crítica, e os dados foram interpretados com apoio do referencial de análise de políticas. Os resultados foram organizados em seis capítulos, um fruto de revisão documental e outros cinco, representando os casos elencados para investigação: a) o caso da administração pública direta (HPP), b) o caso dos hospitais sem fins lucrativos, c) o caso dos hospitais com fins lucrativos, d) o caso da fundação estatal de direito privado (FEDP), e, e) o caso do consórcio público de saúde (CPS). O capítulo de revisão documental apresenta os antecedentes do processo de contratualização e regionalização de serviços no âmbito do SUS; propõe uma classificação a respeito das modalidades de contratos entre entes federados; e realiza um debate acerca da gestão do SUS e de estratégias de contratualização com vistas à regionalização e à direção única. Os demais capítulos apontam para diferentes formas de cooperação entre os entes envolvidos, a depender do caso (cooperação técnica, interfederativa, contratual, lucrativa, entre outras), bem como as modalidades que favorecem ou não o processo de regionalização nas regiões de estudo. Observa-se também que as formas de contratualização das modalidades discutidas estão diretamente relacionadas ao fato de os municípios envolvidos deterem ou não a gestão do teto de média e alta complexidade (MAC). Além disso, destacam-se entre os casos analisados: forte empresariamento e benefícios jurídicos-legais relacionados às modalidades institucionais de gestão e prestação de serviços; características mistas (top-down e bottom-up) de implantação da política de regionalização; concepções distintas entre os atores envolvidos a respeito da privatização e terceirização dos serviços de saúde; legislações e normativas capazes de formar grupos e arenas de interesse no financiamento público; provisão de profissionais de saúde por meio da terceirização e da precarização de vínculos; e, ainda, ausência na atualização e lacunas na legislação de políticas de contratualização. Conclui-se que não há como discutir o processo de regionalização sem relacioná-lo à contratualização dos serviços, e sobretudo, às políticas públicas que os envolvem. Nessa perspectiva, a regionalização e a contratualização são, mutuamente, variáveis dependentes. Portanto, para o fortalecimento desse processo, advoga-se a favor da construção de um instrumento contratual de cooperação, que permita, a partir do planejamento territorial, a contratualização de serviços de abrangência microrregional ou regional, com segurança jurídica, e alocação de recursos tripartite, com a participação e apoio de núcleos específicos nas universidades públicas. Advoga-se também, por políticas que minimizem as iniquidades de determinados modelos de gestão, por meio de critérios que fortaleçam, entre outros: a participação popular; as especificidades contratuais regionais; a integralidade da atenção; os mecanismos de regulação e governança; e os espaços de negociação e articulação gestora. Há ainda a necessidade de fortalecer a gestão pública a partir de arranjos e serviços voltados ao público e não ao mercado.