TECENDO REDES EM MEIO AO ISOLAMENTO: O DESAFIO DE UMA MÃE-USUÁRIA-GUIA NA PRODUÇÃO DO CUIDADO DO FILHO AUTISTA
LIZ BÁRBARA ESTEVES ARAUJO, Regina Melchior
Data da defesa: 23/02/2023
A produção do cuidado é uma temática de interesse do campo da saúde pública, principalmente a dinâmica estabelecida pelos usuários para compô-la. No entanto, existem cenários onde o estabelecimento de redes para este cuidado está fragilizado. É o caso das pessoas com deficiência (PCDs). Eles estão constantemente buscando formas de existir frente às dificuldades impostas por uma sociedade normativa, e é neste espaço de força inventiva que se dá a potência do cuidado. Para adentrar este universo, o presente trabalho teve como objetivo analisar a rede de produção do cuidado da pessoa autista em um município de grande porte na região norte do estado do Paraná. A pesquisa ocorreu majoritariamente no ano de 2020, durante a pandemia de COVID-19, porém foram tomadas todas as medidas de proteção necessárias. A cartografia foi o caminho de pesquisa escolhido considerando a proximidade do grupo com o referencial teórico e interesse das pesquisadoras. Para isso fez-se uso dos dispositivos mãe-cidadã-guia (MCG) e usuário-cidadão-guia (UCG). Uma vez escolhido o UCG, um adolescente autista, deu-se início às visitas presenciais conforme a disponibilidade da mãe, do filho e da pesquisadora, considerando o contexto do momento. A partir daí, foi se tecendo as redes operadas por eles. Foram múltiplos encontros com a família, vizinhos e profissionais, a fim de identificar os caminhos percorridos pelo UCG e sua mãe. Ficou evidente que o isolamento da família, existente antes mesmo da pandemia, é o principal impedimento para a construção de uma rede mais robusta. Este isolamento, por se apresentar em diversas dimensões e de maneira multifatorial, aumenta a condição de vulnerabilidade em que vivem, visto que a vida se molda na perspectiva de exclusão social. Mãe e filho residem em uma chácara afastada, na zona rural do município. Adicionado ao isolamento geográfico, observou-se que as inúmeras experiências de preconceito e repúdio ao corpo do filho autista, violentamente os afastaram da produção de vida em sociedade e principalmente das redes de cuidado. Outro motivo que os afastava da rede era a forte influência de uma voluntária de uma instituição de caridade do município, exercida sobre a família, que ao suprir as necessidades da família contribuía para o afastamento deles da rede instituída. A partir dessa vivência percebe-se que a exclusão social enfrentada pelas PCD é uma constante e grande parte do esforço para sair dessa condição e lutar pelo acesso é das mães e famílias, que vão em busca da produção do cuidado. Fica evidente que as políticas públicas não alcançam os que, por diferentes motivos, não chegam até os serviços, fazendo com que eles busquem novas rotas de acesso. Histórias como esta, se repetem em outros territórios. Observou-se também, as dificuldades da mãe e do filho para terem acesso à direitos garantidos às PCDs, como por exemplo o recebimento do Benefício de Prestação Continuada. É preciso que trabalhadores e cidadãos lutem pela melhoria do financiamento das políticas de saúde e social. Deem espaço à educação permanente para desconstrução de preconceitos e apropriação dos direitos já garantidos às PCD. Por fim, faz-se necessário a apropriação das políticas públicas, como o Plano Viver Sem Limites, por parte dos serviços, a fim de uma maior articulação entre eles, buscando assegurar os direitos duramente conquistados e diminuir as barreiras para as PCD.
DE QUAL CUIDADO ESTAMOS FALANDO? A CARTOGRAFIA DE UMA USUÁRIA CIDADÃ GUIA SURDA NA BUSCA PELO DIREITO DO CUIDADO EM SAÚDE.
THALITA DA ROCHA MARANDOLA , Regina Melchior
Data da defesa: 27/02/2023
O cuidado em saúde é um acontecimento que compreende o encontro entre usuários e trabalhadores, espaço onde a comunicação é uma importante estratégia para que a produção do cuidado seja efetivada. A pessoa surda que faz uso da língua de sinais - como principal meio de comunicação - pode ter este meio como barreira ao acesso dela aos serviços de saúde, uma vez que nestes locais a língua predominante é o português oral. Diante deste contexto, buscou-se acompanhar e analisar os caminhos percorridos por uma usuária surda, na busca pelo seu direito ao cuidado em saúde. Trata-se de uma pesquisa qualitativa com perspectiva cartográfica que possibilitou a utilização de ferramentas como o usuário-cidadão-guia (UCG) enquanto dispositivo para nos conduzir durante sua trajetória rumo ao cuidado em saúde; o Diário Cartográfico (DC) enquanto recurso para anotações, apreensão e reflexão dos acontecimentos e, a estratégia de Educação Permanente em Saúde (EPS) que possibilitou a reflexão das práticas de saúde dos trabalhadores envolvidos na produção do cuidado da usuária-cidadã-guia surda. O campo de estudo teve como partida um ambulatório de especialidades em saúde de um município de grande porte da região sul do país. O período de acompanhamento em campo ocorreu de outubro/2020 a outubro/2021. As análises foram realizadas a partir do referencial teórico da micropolítica do trabalho. A partir de situações que indicavam barreira de acesso aos serviços, vivenciados com e pela a UCG, e a vivência com os trabalhadores dos serviços de saúde foram registradas reflexões que eram produzidas nos encontros, que foram organizados nos seguintes tópicos: acolher e ser acolhido, análise que aborda o acolhimento nos processos de trabalho do ambulatório de especialidades. Alguns desafios apontados no acolhimento, foram discutidos no segundo tópico sobre o que é diferente, o que é “anormal” segundo uma perspectiva do funcionamento do corpo biológico e quais formas de (re)existir. Na sequência, foram discutidas as percepções sobre o que é o cuidado e, por último, a comunicação como ferramenta na produção do cuidado em saúde. As considerações parciais que fazemos desta caminhada com a usuária-cidadã-guia surda é que o cuidado é uma construção contínua de atos e ações que sofrem influências dos processos de subjetivação que atravessam os atores envolvidos nesta produção. As concepções históricas sobre o que é a pessoa com deficiência influenciam na forma como cuidados destes usuários. O cuidado está diretamente relacionado ao processo de trabalho em saúde e, desta forma, precisa ser analisado a partir de um referencial que contemple suas especificidades. A educação permanente em saúde foi uma importante ferramenta para a ressignificação do acolhimento a pessoa surda e permitiu mudanças no processo do trabalho que sensibilizou a equipe para uma nova forma de cuidar em saúde. Faz-se necessário, portanto, o incentivo e a oportunização de espaços para EPS no cotidiano do trabalho, de forma a permitir que os trabalhadores reflitam suas práticas do cuidado, independente, das características que o usuário possua
A produção do cuidado na rede maternoinfantil: um olhar para a atenção básica
Clariana Fernandes Muniz Rocha, Regina Melchior
Data da defesa: 30/08/2016
As Redes de Atenção à Saúde são estratégias para organizar as ações e os serviços, e procuram garantir um cuidado integral às condições de saúde da população. Considerando que o cuidar é central nos serviços de saúde, e que a produção do cuidado implica no modo de construção dos encontros entre profissionais e usuários, este trabalho teve como objetivo compreender o processo de produção de cuidado a partir dos olhares de usuários e de trabalhadores da saúde na Rede de Atenção Maternoinfantil. Para tanto se desenvolveu uma pesquisa exploratória qualitativa. Em relação à escolha dos sujeitos da pesquisa, foi adotado um dispositivo metodológico denominado caso traçador. Neste estudo foi investigada a produção do cuidado a partir da trajetória de uma usuária gestante, durante o pré-natal ao parto. Foi realizado um total de oito entrevistas semiestruturadas, no período de agosto a setembro de 2015, com sete participantes, entre eles: a usuária, dois familiares, médico, enfermeira, auxiliar de enfermagem e agente comunitário de saúde. O trabalho de campo foi realizado no município de Londrina, em território de uma Unidade Básica de Saúde (UBS). Para a análise do material, produtos das transcrições das entrevistas, complementados com percepções descritas no diário de campo e nos documentos do caso traçador, foi utilizada a análise de conteúdo, resultando em três categorias. Na primeira categoria, O Cuidado na Percepção dos Usuários e Profissionais da Saúde, foram observadas as diferentes percepções do cuidado, tanto para quem cuida como quem é cuidado, e que para ambos o cuidado passa por conceitos como acolhimento e vínculo, mas também por acesso às tecnologias e insumos disponíveis para a assistência à saúde. A segunda categoria, A Compreensão dos Profissionais da Saúde e dos Usuários sobre a Rede Mãe Paranaense, em que a compreensão por parte dos profissionais da rede estudada mostrou que há diferentes apreensões, dependendo das inserções dos profissionais na equipe e do tempo de contratação, e por parte dos usuários nota-se o desconhecimento do tema. A última categoria, Experiência de Aurora na Rede Maternoinfantil, foi encontrado que se seguiu todo o protocolo estabelecido para essa Rede, de consultas e exames. Porém, isso não foi suficiente para aliviar a angústia e o medo relacionados ao parto que a usuária sentia, recolocando os aspectos subjetivos das necessidades individuais e do cuidado. Também foi encontrado, que embora haja uma rede formal estabelecida, também existe uma rede viva, desenhada pelo usuário, na busca da resolução das suas necessidades. Por fim, olhar a necessidade do usuário, no interior dos protocolos e fluxos estabelecidos para as redes de atenção, permite a singularização da atenção e uma ampliação das possibilidades de cuidado.
A produção do cuidado no contexto familiar da atenção básica: uma cartografia
Thalita da Rocha Marandola, Regina Melchior, Josiane Vivian de Camargo Lima
Data da defesa: 28/05/2018
O cuidado é uma temática inerente a todo trabalhador em saúde, sua prática está presente nos hospitais, nas clínicas, ambulatórios, nas unidades básicas de saúde, nos domicílios, entre outros. E é no campo da atenção domiciliar, mais especificamente o cuidado domiciliar na atenção básica à saúde, que nos aproximamos para experimentar a produção do cuidado. O objetivo deste estudo foi compreender como ocorre a produção do cuidado em saúde na atenção domiciliar, na prática da Estratégia Saúde da Família, em uma Unidade Básica de Saúde de um município de grande porte, na região sul do Brasil. A pesquisa ocorreu no período de agosto/2016 a agosto/2017. Para tanto, utilizei a perspectiva cartográfica, que por meio do uso do dispositivo de pesquisa da família-guia possibilitou encontros e experimentações da produção do cuidado conforme estes foram sendo produzidos. O ponto de partida do campo de pesquisa foi o serviço da atenção domiciliar e posteriormente o território de uma unidade básica de saúde; neste último, a partir da escolha da família-guia extrapolamos os limites do território geográfico da unidade, produzindo e percorrendo a rede viva produzida pela própria família. A partir dos encontros com os outros pontos da rede e com os trabalhadores surgiram pistas que indicaram o processo de produção do cuidado da família selecionada. As pistas identificadas foram: O que trazemos e o que opera nos encontros? A disputa do cuidado; As redes; A reflexão sobre o processo de trabalho. A partir delas pude inferir que no processo do cuidado tanto trabalhadores quanto usuários levam para o encontro marcas que pulsam de acordo com a intensidade do encontro e que vão interferir no cuidado prestado e ainda, que o cuidar ou ser cuidado requer a identificação e reflexão dos nossos valores universais e regimes de verdades, que podem influenciar a forma como operamos o cuidado no encontro. Além disso, a disputa do cuidado entre trabalhadores e trabalhadores/usuários aparece como elemento que pode potencializar ou fragilizar este processo, o que frequentemente surge quando a rede de cuidados é acionada. Sobre a rede de cuidados foi observado que a rede formal é a mais reconhecida e a rede viva produzida pelo usuário ainda é pouco valorizada pelos trabalhadores apesar de suas potencialidades. Durante esta jornada, notou-se o quão importante foi a análise do processo de trabalho em saúde para a melhor construção do cuidado, dando vasão as afetações e espaço para as experimentações o que resulta no cuidado dos cuidadores/trabalhadores da saúde.
O trabalho coletivo na construção do cuidado: uma cartografia
Beatriz Zampar, Regina Melchior, Josiane Vivian Camargo de Lima
Data da defesa: 27/03/2020
A Atenção Básica é o conjunto de ações de saúde individuais, familiares e comunitárias envolvendo promoção, prevenção, tratamento, reabilitação, redução de danos e vigilância, por meio de práticas de cuidado integral em equipe, dirigida à população em território definido. Profissionais de diferentes áreas são convidados a se unir e trabalhar em prol de uma comunidade. A produção subjetiva do cuidado, é marcada por constante desconstrução e construção de territórios existenciais, numa lógica de fluxos-conectivos em benefício de um determinado projeto de cuidado que se preocupa em diferentes graus com a integralidade do usuário. O objetivo deste trabalho é analisar como uma equipe de Saúde da Família se organiza para produzir cuidado a partir do trabalho coletivo. Trata-se de um estudo qualitativo realizado com abordagem cartográfica, a qual busca mapear processos de produção de subjetividade, que são reconstituídas em cada encontro. Permite investigar as práticas na saúde, investigando a nós mesmos e nos colocando em análise, repensando práticas e a implicação com o todo. O campo da pesquisa foi uma Unidade de Saúde da Família de uma cidade de grande porte do Paraná, que conta com quatro equipes, Residência de Medicina de família e comunidade e Residência multiprofissional em Saúde da Família, por um período de 18 meses, de 2018 a 2019. Os resultados foram organizados em quatro eixos: de onde cada profissional parte (particularidades de cada formação, importância da comunicação e dos espaços que a possibilitem), construção do trabalho coletivo (processo que demanda tempo, habilidades e planejamento), disputas de projetos em saúde (entender que os atores estão fazendo gestão todo o tempo e não seguem os mesmos projetos), produção do cuidado (singularidade dos encontros, potencialidade do trabalho interprofissional, complexidade das necessidades em saúde). Esta cartografia possibilitou mapear o processo de formação do trabalho coletivo, suas potências e fragilidades. Apontou experiências exitosas e conflituosas, mas que geraram reflexão e possibilidades de novos arranjos. Para produção de coletivo em saúde, o cuidado deve ser o principal norteador, e o trabalho coletivo é fundamental nesse processo.
Produção do cuidado à gestante: narrativas de uma mulher em período perinatal
Célia Maria da Rocha Marandola, Regina Melchior
Data da defesa: 27/03/2020
O ato de cuidar em saúde é formado por um leque de ações, procedimentos, fluxos, rotinas e saberes que se complementam ao mesmo tempo em que se disputam. Embora inerente ao processo de trabalho dos profissionais da saúde o cuidado é de responsabilidade, também, de familiares, de amigos, e do próprio usuário. Sendo a Atenção Básica um terreno fértil para experimentar essa produção do cuidado. O estudo buscou dar luz às narrativas de uma gestante acompanhada no pré-natal numa Unidade Básica de Saúde de um município de grande porte, na região sul do Brasil. A pesquisa ocorreu no período de abril/2018 a dezembro/2019. Dentro da perspectiva cartográfica utilizamos como dispositivo de pesquisa a gestante-guia que nos conduziu em sua trajetória pela busca do cuidado e em suas narrativas foram emergindo cenas do vivido, como: a disputa de projeto de cuidado; a produção de máscaras como dispositivos de enfrentamento das perdas e o cuidado nos interstícios dos protocolos (seringas, receitas, agendas e afins). As narrativas da gestante-guia revelaram sua enorme expectativa de um parto seguro, pois ela confiava na equipe, principalmente, a equipe do alto risco que seria responsável pelo seu parto. Porém, a mesma não se sentia cuidada em nenhuma das complexidades (baixo ou alto risco) apesar de toda a estrutura montada para o cuidado em saúde à gestante. Faz-se necessário, portanto, que as equipes reflitam sobre o seu processo de trabalho, se colocando em análise no intuito de evitar prejuízos para o cuidado em saúde produzido nos encontros entre usuários e trabalhadores de saúde, buscando respeitar a necessidade e singularidade de cada indivíduo. Neste sentido, a construção de projetos terapêuticos e a implantação da estratégia de educação permanente em saúde (EPS) poderiam se configurar como apostas potentes às equipes, independente, da complexidade em que as ações de saúde são desenvolvidas visando à garantia dos direitos das usuárias em período gravídico-puerperal e propiciando o fortalecimento do SUS enquanto sistema de saúde que valoriza e cuida de vida, acreditando que toda a vida vale a pena.